terça-feira, 10 de abril de 2012

Margem de manobra

Ticiano - David e Golias

O sociólogo alemão Norbert Elias propôs uma teoria do poder que visava dessubstancializá-lo, retirar-lhe a aura de coisa. Isso permitiu-lhe compreendê-lo no âmbito da interdependência que os homens tecem entre si. Elias vê o poder como margem de manobra. Em última análise, ninguém é, de forma absoluta, destituído de uma certa margem de manobra, mas essa varia em conformidade com o lugar social onde se está e o papel que se desempenha. 

O que nos ensina esta perspectiva de poder? Que o que importa é que cada um de nós amplie a sua margem de manobra, limitando, ao mesmo tempo, a margem de manobra daqueles que se opõem aos nossos fins. O que estamos a assistir - pelo menos nas últimas duas décadas - é a um esforço enorme por parte das elites políticas e económicas para maximizarem a limitação da margem de manobra da grande maioria das pessoas. Dois exemplos. Um exemplo nacional, o do último acordo da concertação social. Nele, os empresários, com a cumplicidade de uma central sindical e o activo empenho do governo, limitaram a já escassa margem de manobra das classes trabalhadoras nacionais. Um exemplo europeu, o do tratado que visa impor um limite aos défices públicos. Aqui, as classes políticas acordam - sem mandato popular para tal - em limitar a margem de manobra dos eleitores nacionais, dissolvendo ipso facto a democracia.

Esta noção de poder como margem de manobra é muito interessante porque permite perceber o poder como um conflito de liberdades, onde as partes tentam limitar a liberdade de acção umas das outras e ampliar a sua. No entanto, se esta ideia de poder enquanto margem de manobra dessubstancializa o poder, não deixa de supor um certo mecanicismo desse mesmo poder. Ele não é uma coisa, mas a resultante de um jogo de forças, isto é, a resultante das liberdades em confronto, tentando afirmar-se e limitar as outras liberdades. Mas não foi isto que homens como Maquiavel, Marx ou Lenine perceberam já? 

Os séculos XX e XXI estão-nos a ensinar que o mais difícil, na arena política, é manter o equilíbrio das forças. O ponto de equilíbrio - por exemplo, o chamado pacto social-democrata que governou a Europa - é apenas um ponto de passagem. O pêndulo deslocar-se-á, inexoravelmente, para os extremos. Felizes são aqueles cujas vidas puderam decorrer nessas breves décadas em que o equilíbrio das forças parecia eterno. Não era, nunca é.

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