quinta-feira, 14 de junho de 2012

Questões de realidade

Botticelli - Palas y el centauro (1482)

Um pouco de realidade também não fará mal a este blogue. Não que a realidade seja flor que mereça ser cheirada, não merece, mas convém, uma vez por outra, piscar-lhe o olho, não vá ela esquecer-se de nós. Pôncio Pilatos, perante tal pretensão, teria o seu lugar garantido, caso não tivesse ido já para o outro mundo há cerca de 2000 anos, para fazer a pergunta sacramental o que é a realidade? e, depois, lavar as mãos. Ora a realidade é aquilo que os media filtram e nos oferecem caridosamente para nos dispensarem do trabalho de encontrar outra realidade diferente. Nada melhor para encontrar a realidade do que ir ao Público online.

Comece-se com a opinião dos senhores directores das escolas. Eu sei que é gente que estava melhor no antigo regime, o do senhor Sócrates, mas não deixam de ter razão: a autonomia das escolas, ao contrário do que diz o ministro Crato, vai obviamente diminuir. Isso é só um aspecto da coisa, talvez o menos dramático. Muitos professores que se entregaram nas mãos do PSD para fugir aos amigos da bruxa má vão descobrir que o senhor Crato não é um príncipe bondoso, e vão fazer a descoberta perdendo o seu horariozinho que lhes dava a comida e a dormida ao fim do mês. É evidente que não vão sozinhos, levam consigo muitos dos que não votaram, mesmo dos mais antigos, onde me incluo, daqueles que pensam que têm um lugarzinho assegurado no céu; desculpem, na escola. Esperem para ver como se aplica nos horários a nova forma de organização do ano escolar. É tarde demais para transformar o homem em sapo. Ele pensa que é ministro e enquanto não tiver escolas como as chinesas não estará descansado.

Outro dado da realidade, um dado de natureza ontológica, digamos assim, está relacionado com a des-realização dos portugueses. O Professor Gil já verberou a nossa incapacidade de inscrição no real, mas a coisa é mais radical. Cada vez há menos portugueses inscritos na realidade, logo há menos capacidade instalada para tentar inscrever o que quer que seja nesse tal real. A população portuguesa, no fatídico anos de 2011, começou a desaparecer. Os bebés recusam-se a nascer e estamos com uma tendência mórbida, mais acentuada, para o falecimento. Por outro lado, os portugueses mais sensíveis decidiram pôr-se a milhas do funesto espectáculo que nos saiu em sorte.

Para terminar esta viagem ao mundo da realidade falta só a opinião do Observatório da Saúde. Um país em sofrimento, diz o relatório elaborado por esta prestimosa agremiação. Descobrimos que a realidade tem por missão tratar-nos da saúde e que o nosso governo amancebado com a troika está empenhado em resolver o problema das vidas excessivamente longas. Como toda a gente sabe, viver muito tempo depois da reforma é um desperdício. Ora se formos sofrendo desde o princípio, quando chegar à altura de nos reformarmos teremos todo o interesse em desistir de estar vivos e entregarmo-nos nas mãos do falecimento. Evitamos aborrecimentos, dores, maleitas diversas, o mau olhado e as indisposições dos profissionais da saúde devido ao tratamento que irão receber um dia destes.

Seja como for, julgo que este governo, na linha do anterior, está muito bem orientado. Quando os portugueses desaparecerem, o país será um lugar extraordinário, facilmente governável e a realidade será absolutamente, desculpem-me o entusiasmo, paradisíaca.

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