sábado, 1 de setembro de 2012

O valor moral da prostituição

Aurelio Arteta - Al Mercado

A nossa época é aquela em que a dignidade da pessoa, essa presunção iluminista pensada por Kant, se revela sem sentido. Para Kant a liberdade e a racionalidade faziam da pessoa um ser cuja finalidade residia em si mesmo. Por isso, o valor das pessoas fundar-se-ia, para o filósofo de Konigsberg, na dignidade; o das coisas, no preço. O desenvolvimento das sociedades de mercado, contudo, veio realçar quão ilusória era a distinção kantiana. Para a moral actual, o valor seja do que for reside no preço. Ser racional e livre não exime o homem de ter um preço e deste ser o padrão do seu efectivo valor social e moral. Tudo é mercadoria transaccionável e não há pessoa ou instituição que não seja aferida pelo seu preço. Isso já era quase assim há muito, mas havia ilhas onde as relações humanas não eram relações de mercado. Coisa do passado. O que se assiste na Europa (com ênfase especial em Portugal) é ao fim dessas ilhas. A ilusão de que o ser humano tem dignidade é algo que não é suportável economicamente. Na história da humanidade, a prostituição foi vista como imoral pois implicava que um ser humano tivesse um preço pelo qual se transaccionava. Na sociedade actual, com a vitória global do fetichismo da mercadoria, a prostituição deixou de ser vista como uma patologia social e tornou-se padrão moral vigente que todos devem seguir e respeitar. Todos os seres humanos, e todas as suas criações, sublimes que elas sejam, estão no mercado, entregues à lei da oferta e da procura, à espera de quem os compre. Este é o padrão de moralidade que rege em absoluto toda a vida social, política e económica.

4 comentários:

  1. É uma triste realidade. E, sob o epíteto da competitividade, fala-se na necessidade de desvalorizar os custos do trabalho, sem se dar importância ao facto de que, embaratecendo o trabalho e aumentando a precariedade, se está a desvalorizar a dignidade humana.

    E o que ainda me arrelia mais é que nem é verdade que o problema do que quer que seja resida aí.

    cingindo-me aqui ao nosso exíguo país, li que uma das metas que está por cumprir é reduzir os dias de indemnização por despedimento a cerca de 8 dias por ano de trabalho. Há pouco tempo era 1 mês. Uma pessoa ficar sem trabalho já é um drama sem tamanho; se a isso se somar a insegurança relativamente à subsistência, percebe-se a insensibilidade tremenda de tudo isto. E mais grave ainda quanto tudo isto resulta de uma falsidade. Ou, então, de muita estupidez.

    O que me consola é que isto, sendo tudo tão mau, só pode, mais dia menos dia, melhorar.

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    1. Melhorar? Duvido que isso aconteça por cá. Em Portugal, há um equívoco tremendo. A falta de competitividade das empresas não reside no custo do trabalho mas nos níveis baixíssimos das elites dirigentes. Por isso, o desígnio é colocar Portugal ao nível da Ásia. Em Portugal, serão sempre os mais fracos a pagar. Por vezes, revoltam-se como aconteceu na sequência do 25 de Abril, mas depois tudo volta ao mesmo. E muito rapidamente, do ponto de vista histórico, como estamos a observar.

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  2. Penso que uma das causas que origina esta nossa falta de amor-próprio, tem a ver com algo que nos caracteriza: a tendência para não nos arreigarmos ao que é nosso e de estarmos permanentemente com o "olho" naquilo que é alheio.
    Talvez tenha sido esta característica que deu origem ao "dito popular" «a galinha da minha vizinha, é bem melhor que a minha» e nunca; «vou plantar couves e semear milho para dar à minha galinha, para que ela venha a ser tão boa como a da minha vizinha».
    Estou a recordar-me do naufrágio do navio "Prestige" que ocorreu na costa Galega e que causou o derrame de naftas que poluiram uns quantos km de costa. Nas reportagens transmitidas pela televisão, quando entrevistaram os pescadores que se mobilizaram para, com meios próprios, recolher o máximo possível da nafta derramada, o reporter quis saber se aquele trabalho não competia ser feito pelas autoridades, ao que os pescadores responderam; temos de agir com a máxima urgência para que o derrame provoque o mínimo de estragos possível, mas depois vamos reivindicar ao governo, as compensações necessárias.
    Lembro-me que aquele navio foi "empurrado" para que viesse a naufragar em águas portuguesas. Duvido que os pescadores de cá, tivessem a mesma atitude e a mesma consciência que os espanhois demonstraram possuir...

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    1. Caro Bartolomeu,

      Tem toda a razão. Há, entre nós, uma espécie de falta de brio, mas também de respeito por aquilo que é da comunidade. E ainda, apesar do individualismo, falta de iniciativa.

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