sábado, 12 de janeiro de 2013

Da corrosão moral


Joaquín Mir - Pobres (1899)


Este diagnóstico de Pacheco Pereira pode ser facilmente constatado. Basta ouvir as pessoas, ver os comportamentos, ler o que escrevem, sob anonimato, nas caixas de comentários de jornais e blogues online. Durante muito tempo, cresceu a sensação de que a riqueza e o triunfo na vida se deviam, na generalidade dos casos, a truques, para não dizer coisas mais desagradáveis. O efeito disto no tónus moral da sociedade era já devastador. Reduzia as pessoas, tolhidas por escrúpulos ou princípios morais, a uma atitude defensiva na vida, à procura de uma situação que, não sendo brilhante, lhes permitia levar a vida com dignidade, sem esquemas e aventuras que, para além de imorais, se inscrevem, muitas vezes, na ilegalidade. 

O problema que a actual situação coloca, porém, é ainda mais grave. Não apenas porque aqueles que viveram de truques continuam a sua marcha gloriosa, mas os que viveram, com a dignidade preservada, vidas anónimas, sem grandes pretensões, vêem-se agora enxotados dos lugares onde se encontravam, acusados de serem  um peso-morto para a sociedade e de estarem instalados em zonas de conforto. A lição dura que este governo, até pelas personalidades que o compõem, não consegue perceber é que a única coisa que vale a pena em Portugal é viver de truques, ser mais safado que o vizinho do lado, estar pronto para qualquer coisa que traga vantagem, independentemente da moralidade do acto ou, mesmo, da sua legalidade (logo, se achará maneira de vergar a lei, quando esta não é imoral). Não é apenas pela falta de energia social que a pobreza é problemática. O trabalho, o esforço, a dedicação, a honestidade tornaram-se valores risíveis. Ninguém que trabalhe honestamente está a salvo de um qualquer truque governamental. O pior que este governo está a fazer é tornar o trabalho e a honestidade das pessoas uma coisa negativa, uma zona de conforto de onde devem ser expulsas. Está a criar um caldo cultural onde a anomia e a amoralidade irão crescer.

Esta corrosão do carácter, por outro lado, manifesta-se no crescimento de sentimentos mesquinhos. A inveja, o despeito, a raiva, o ódio às elites políticas, o desejo de vingança, todo esse mundo de negatividade cresce desmedido no coração e na alma de milhões de portugueses. E isto tem um efeito potenciador. Alimenta e intensifica o desgaste do tónus moral da sociedade, que por seu turno alimenta e intensifica esta corrosão do carácter dos indivíduos, numa espiral que, a continuar assim, levará ao paroxismo e a tremendas explosões. Explosões individuais, mas também das multidões. Há dias, alguém me dizia que se vive numa enorme calmaria, mas isso alarmava-o, pois é a bonança que antece as grandes tempestades.

7 comentários:

  1. Ouço e leio sempre com agrado Pacheco Pereira, é dos poucos comentadores que ainda tem a noção do bom senso aliada a uma firte cultura humanista. Nos últimos tempos, parece quase um revolucionário de Esquerda a falar, mas isso parece ser apanágio da maior parte das pessoas que criticam este governo e as políticas de abate seguidas por esta vaga má por onde navegam as lideranças europeias. Claro que a sua análise está correcta também. Sim, também tenho a sensação que, depois de um ano de manifestações constantes, em que praticamente não houve um único dia sem que as populações de unissem na indignação, na crítica e na contestação, com especial relevo para o 25 de Setembro, se vive um período de calmaria, mas que essa calmaria não passa da anunciação da tempestade.

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  2. Permita que me corrija...a manifestação que levou um milhão de portugueses à rua foi a 15 de Setembro...

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  3. Pacheco Pereira recupera um discurso que mantinha nos tempos da AOC só que agora usa-o para combater a "direita dos interesses" e naquele tempo era um aliado objectivo da mesma, sob a capa de radical pseudo-esquerdista.
    Quanto ao "tuga"?!...
    Sinceramente não acredito nele.

    Abraço

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  4. Julgo, mas poderei estar errado, que o grupo maoista a que pertencia Pacheco Pereira não era a AOC. Era qualquer em torno do Jornal 1.º de Maio do Porto, mas não sei lá muito bem. mas também duvido que ele esteja a combater a "direita dos interesses". Talvez esteja apenas em guerra com uma certa falta de inteligência e de compreensão dos limites políticos a que se pode chegar.

    Boa semana,

    Abraço.

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  5. Também sujeito a rectificação: Penso que esteve ligado a uma organização chamada PC de P (ML) que deu origem à AOC e o jornal era o "Unidade Popular", mas tudo isso já lá vai. Aliás as extremas-esquerdas eram muito diferentes. Algumas eram só "extremas", como a citada...
    Reconheço a PP, como é óbvio, uma elevada e rara gama de conhecimentos, apesar de estranhar o seu discurso, tendo em conta o seu passado recente.
    Será que ainda continua Cavaquista e capaz de fazer de novo campanha eleitoral ao lado de figuras como Valentim Loureiro?

    É um percurso demasiado sinuoso que me deixa dúvidas.

    Abraço



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    1. Não sei desse passado do PP. Lembro-me dele no Clube da Esquerda Liberal, juntamente com o João Carlos Espada e o José Manuel Fernandes, salvo erro. Aquilo podia ser um clube (coisa que embeveceria o Espada) e liberal (coisa que animaria o Fernandes), mas de esquerda nunca terá sido. Estes dois vieram da UDP e o Espada era o director da Voz do Povo.

      Abraço

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