quarta-feira, 8 de maio de 2013

Caminhos de ajustamento

Esteban Vicente - Matices del rojo (1986)

Matizemos a dolorosa experiência social que estamos a viver para pensar sobre a realidade de Portugal. Tomemos como boa uma sociedade mais liberalizada. O que significará uma sociedade mais liberal? Significará que será constituída por indivíduos que gerem as suas vidas de forma mais racional e fazem escolhas mais sensatas tendo em conta o futuro. Significa ainda que esses indivíduos estarão mais predispotos para a iniciativa e serão mais capazes de a tomar e de sustentar os seus projectos persistentemente no futuro.

Ora, tendo estas ideias em consideração, como poderemos descrever a nossa sociedade? É uma sociedade com muito pouca apetência para um regime de vida liberal. É uma sociedade composta por largas camadas de população muito frágil, sem as competências sociais e simbólicas exigidas por um modo de vida assente na racionalidade liberal. Traduzindo: muitas pessoas dependentes, pouco espírito de iniciativa, um uso frágil da razão. Este é o principal problema do país.

Perante esta situação que caminhos se podem tomar? Há no essencial dois caminhos disponíveis para o ajustamento da sociedade portuguesa. Um caminho é aquele que o governo e a troika estão a pôr no terreno. O essencial deste caminho é reduzir as funções sociais do Estado, abandonando a população à sua sorte. A ideia reguladora da acção do governo é a do Estado mínimo, reduzido às funções de segurança (interna e externa) e justiça. Um segundo caminho é o da utilização do Estado social como motor do fomento da liberdade individual. Como? Através dos sistemas de solidariedade e protecção, que dão um módico de confiança às pessoas, e de educação, que deverá ser cada vez mais exigente na formação de indivíduos racionais e livres, dotados de competências sociais e simbólicas que lhes permitam ter iniciativa e capacidade para gerir a sua vida e a das comunidades de forma racional.

Estes dois caminhos excluem-se. O primeiro, o do governo, terá resultados mais rápidos que o segundo. Os resltados do primeiro, porém, serão devastadores e em vez de criarem uma sociedade mais liberal criarão uma sociedade menos livre e com menos iniciativa, porque mais pobre, mais insegura e mais desprotegida e muito mais desigual. Haverá uma massa enorme de gente impotente e dependente da caridade. No segundo caso, os indivíduos terão mais tempo para se ajustarem e adquirirem as competências sociais que a liberdade e uma sociedade liberal lhes exigem.

Contrariamente ao que pensam os nossos pseudo-liberais, uma sociedade verdadeiramente liberal só pode emergir em Portugal se o Estado não se demitir das suas funções sociais. Contrariamente ao que se defende à esquerda, o Estado social não visa, fundamentalmente, a igualdade e a solidariedade entre os cidadãos. Contrariamente ao que se pensa à direita, o Estado social não é inimigo da liberdade. O Estado social visa construir uma sociedade de cidadãos livres e racionais, capazes de autonomia e iniciativa. Há assim que encontrar caminhos criativos de ajustamento e matizar as leituras ideológicas dominantes. Há que ser muito claro: a actual política não destrói apenas o Estado social. Destrói a liberdade, destrói a capacidade de iniciativa, destrói, em suma, a possibilidade de uma sociedade liberal.

6 comentários:

  1. A meu ver, o Estado Social sem liberdade, solidariedade e igualdade, sendo que está última terá um sentido mais flexível, é uma impossibilidade óbvia.
    As soluções intermédias, tipo terceira via, constituíram um flop e apenas serviram para agravar a situação.

    Abraço

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    1. Julgo que o problema da terceira via foi de não ser uma terceira via, mas a via da senhora Thatcher sob governação trabalhista. Foi uma rendição e uma capitulação.

      Abraço

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  2. Há no seu raciocínio um vício que tem feito o seu caminho na sociedade e é com esse truque que esta gente tem estado a jogar. Pressupõe que há um 'bolo', digamos assim, que é fixo e determinado e que pode ser usado ou para:

    1. distribuir em funções sociais ou distributivas ou
    2. usar em investimentos públicos que gerem emprego, digamos assim.

    Como o ponto 2 está fora da ideologia liberal, aplica-se o ponto 1. E, como o 'bolo' é cada vez menor, há que baixar os apoios sociais.

    Ora as coisas, de facto, não são assim. Se calhar vou escrever sobre isso hoje. É que as coisas não são assim porque o 'bolo' não é fixo. O 'bolo' é função de variáveis que não são independentes entre si. Uma das variáveis que contribui para o bolo é o número de pessoas a quem se deveria prestar apoios. Essa variável actua pelo lato da subtracção. E há outra variável que é a das pessoas que contribuem que actua pelo lado da adição.

    A estupidez deste governo é que optou pelo cenário 1, digamos assim. Mas actuou estupidamente pois, por um lado, aumentou o número de pessoas supostamente beneficiárias e cortou do lado das que contribuem (pois diminuiu-lhes o rendimento e retirou-as do mercado de trabalho).

    Por isso, em minha opinião, a solução passa por uma solução mista mas, seja qual a dosagem do cenário 1 ou do cenário 2, tem que ser bem feito e não com os pés. O que estes sujeitos estão a fazer é criminoso porque estão a inviabilizar qualquer saída.

    A ver se desenvolvo isto.

    Não sei se consegui explicar a minha opinião...

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    1. Confesso que não pensava em qualquer "bolo" fixo ou móvel. Estava a referir apenas uma ideia geral, a do papel do Estado na constituição de uma sociedade liberal. Queria salientar que num país como Portugal não é possível (por motivos históricos e sociais) constituir uma sociedade liberal sem a intervenção social do Estado. Isto nem é novidade. A Alemanha é um exemplo muito claro disso. O programa ordoliberal de Eucken e da escola de Friburgo tratou de liberalizar a Alemanha do pós-guerra, a Alemanha de Adenauer. Contudo, esta liberalização foi sempre acompanhada pela presença do Estado Providência. O meu ponto não é tanto económico (não sou economista) mas filosófico. Independentemente do tamanho do "bolo", não me parece possível uma sociedade liberal decente sem um Estado social que a promova e dê podere aos indivíduos. Quanto ao aspecto keynesiano que coloca, julgo que faz parte da solução dos problemas em que estamos metidos. Também estou de acordo com outra questão. É preciso que as coisas sejam bem feitas e rigorosas (como os alemães as fizeram).

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  3. Concordo plenamente com este seu post. Estes governantes não sabem nada da
    realidade deste país, apenas querem destruir...destruir...destruir...
    Pensam que depois podem construir um novo país...Não podem!!!
    E a agravar a situação, temos um Presidente da República parolo, provinciano,
    conivente...e como estão quase todos a ir embora...querem destruir o máximo no
    tempo que lhes resta.
    Voltarei sempre que possa.
    Saudações
    Irene Alves

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    1. Tem toda a razão, querem destruir o máximo possível e o PR é vergonhosamente cúmplice desta destruição.

      Muito obrigado, pela visita.

      Cumprimentos

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