sexta-feira, 21 de junho de 2013

Governação de agitadores



Durante a Segunda Guerra Mundial e nas décadas seguintes, até à Queda do Muro de Berlim, vigorou um pacto interclassista por toda a Europa democrática. Esse pacto pretendia cada comunidade nacional, irmanando-a em objectivos comuns. Esse pacto não punha fim à luta de classes e aos conflitos de interesses, mas mitigava-os de tal forma que se poderia falar, com propriedade, de um interesse nacional que todos sentiam ser o seu.

A governação visava esse interesse nacional partilhado, e as políticas eram desenhadas para encontrar lugares de diálogo que evitassem rupturas. Nem sempre se conseguiu impedir situações de conflito extremado, como aconteceu, por exemplo, em França no Maio de 68, mas o objectivo era esse. A Queda do Muro de Berlim abriu caminho para uma outra forma de fazer política. Os objectivos de alguns actores sociais mudaram. Se as classes médias e populares europeias continuaram fiéis ao velho pacto, as elites económicas mudaram de estratégia. O pacto era um empecilho para os seus interesses. Abria-se-lhes a possibilidade de uma nova era de grande acumulação de capital. Nem hesitaram.

Os governos que tinham uma perspectiva nacional e conciliadora passaram a governar para uma parte da sociedade contra outra. O interesse nacional foi substituído pelo interesse das pequenas elites económicas, e governar tornou-se sinónimo de destruir tudo aquilo que no anterior pacto defendia as classes médias e populares. É aí, por exemplo, que se insere a retórica contra o Estado Providência. Uma das tácticas das novas forma de governar consiste em eleger uma parte da sociedade, que é transformado em inimigo público, que deve ser sacrificada para conjurar o mal. A fama da senhora Thatcher vem daí.

Em Portugal, essa prática foi introduzida por Sócrates e tem sido reforçada por Passos Coelho. A ideia é dividir o todo nacional em partes e lançar umas contra outras, criando bodes expiatórios onde se concentra a raiva social. Pretende-se evitar que as pessoas percebam que estão a ser vítimas daqueles que mandam no governo, ocupá-las com guerrilhas sociais em que as vítimas se digladiam entre si. Estes governos já não são governos nacionais, mas estruturas políticas de carácter marxista: representam os interesses das elites económicas dominantes e agem como seus funcionários. Sempre que necessário, não hesitam em lançar uma guerrilha que estilhaça ainda mais o sentimento de pertença a uma comunidade. Mesmo quando põem a bandeira na lapela, odeiam a pátria e o bem comum. Somos governados por agitadores.

9 comentários:

  1. Eu até estava a apreciar(como é hábito) e a concordar com a crónica, quando de repente chego ao último paragrafo e leio:

    "Estes governos já não são governos nacionais, mas estruturas políticas de carácter marxista"

    Sócrates e Passos Coelho/Victor Gaspar são seguidores de Marx e as estruturas políticas que encabeçam têm carácter marxista?...

    Meu Caro Jorge Maia, creio que o compreendo(!), mas não concordo, nem de perto.
    Aliás, tenho a certeza de que Marx, se soubesse, que o tinham associado aos interesses das elites económicas dominantes, dava uma volta na tumba...

    Bom fim-de-semana

    Um abraço




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    1. Não disse que Passos Coelho e Gaspar são seguidores de Marx. Digo outra coisa: digo que a forma como utilizam o Estado corresponde à definição marxista da estrutura política, aquele que está entre a infraestrutura económica e a super-estrutura ideológica. Sendo a estrutura política e a super-estrutura ideológica sobredeterminada pela infraestrutura económica. Isto está em contraposição com uma visão do Estado enquanto emanação de uma comunidade nacional, coisa que a direita, antigamente, reivindicava. A prática destas governações confirma a leitura marxista do papel do Estado. Dito de outra maneira, usam o estado segundo a concepção que Marx tem dele (órgão de dominação de uma classe sobre outras). Aquilo que escrevi foi deliberado, pois põe a nu que esta direita não vê, na sua prática, o Estado de maneira diferente de Marx (embora o utilize em favor de outras classes sociais que não aquelas que Marx pretende defender). Há outras formas de entender o Estado. Julgo que Marx concordaria comigo, pois este tipo de governo confirma aquilo que ele disse sobre a estrutura política, embora eu não partilhe da visão marxista do Estado. Mas isso é outro assunto.

      Um bom fim-de-semana

      Abraço

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  2. Não foi em vão que pus um ponto de exclamação. Está feita a clarificação e, das águas, a separação.
    Obrigado


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  3. Parece-me vislumbrar nessas teorias O Triunfo dos Porcos e a sensação do eterno retorno! Mas também me parece que há qualquer coisa na sociedade portuguesa que tem a ver com a relação senhor/escravo e que parece ser idiossincrático e, como tal, quando parece ausente, está lá, pronto a emergir, caso o contexto o proporcione!...
    Ou talvez não! Mas o que é certo é que estamos a assistir a uma ocupação de espaços pela direita, como se quisessem fortalecer os alicerces destruídos ou fragilizados...
    Mas o que mais me espantou na sua crónica foi o seu remate, pois a serem agitadores, assumem o lugar do inimigo, porque sempre ouvi chamar agitadores aos revolucionários! É caso para pensar... Os extremos tocam-se!
    Bom fim de semana

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    1. Os extremos talvez não se toquem, mas usam métodos idênticos. Neste momento somos governados por radicais, por gente muito perigoso, pois não tem qualquer sentido da medida e não quer saber do sofrimento que as suas políticas infligem às pessoas.

      Bom fim-de-semana.

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  4. "Dividir para conquistar."

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  5. Os agitadores:
    http://www.jornaldenegocios.pt/economia/politica/detalhe/governo_vai_passar_a_reunir_com_a_imprensa_todos_os_dias.html

    Estes piam fino!

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