quarta-feira, 5 de junho de 2013

Responsabilização, a palavra desconhecida

William Turner - Sunrise With Sea Monsters (1845)

Há um momento em que percebemos que um povo perdeu por completo a dignidade e o respeito por si mesmo. A desfaçatez com que certos grupos e indivíduos, para justificar os seus fins, agem e promovem ruído é o sintoma de uma doença que nos atinge e debilita ainda mais. Estava a ver as notícias da noite, julgo que na SIC, quando deparo com uma entrevista, ou parte de uma entrevista, a alguém que não consegui reter o nome. A personagem é americana e foi responsável pela reforma do Estado durante a primeira presidência de Bill Clinton.

Não sei quem chamou o indivíduo em causa, mas ele parece trazer uma encomenda clara. Falou, a propósito da reforma do Estado, da necessidade de despedir professores (por certo, os grandes responsáveis pelo mau desempenho da economia, pela incompetência dos empresários, pela corrupção dos políticos, pelo compadrio reinante, por mandarem construir três auto-estradas para ligar Lisboa ao Porto, pela megalomania dos estádio de futebol, etc., etc.). Daqui derivou para impossibilidade que o Estado português tem de despedir os maus professores. 

Embalado e entusiasmado só parou quando disse - juro que ouvi - que nós - não ficou claro se eram os professores ou os portugueses em geral, mas aposto que eram os professores - nem conhecemos a palavra responsabilização (sic). Quem encomendou tal discurso? Como é possível que venha um tipo qualquer, mandado vir dos EUA, à televisão portuguesa dizer uma coisa destas? Já percebemos que vale tudo, mas tudo mesmo. Os professores que se preparem, o mar onde navegam está cheio de monstros.

8 comentários:

  1. Também ouvi a peça, en passant, e não prestei atenção se o senhor terá dito "accountability" e não "responsability", na verdade, a primeira não tem tradução literal, pois é uma mistura de responsabilidade com prestar contas, algo que se deveria aplicar sobretudo aos políticos, aqueles que optaram e às estradas que escolheram.
    Boa noite.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ele não disse "accountability" mas "responsability", quase de certeza. Mas mesmo que fosse "accountability", o termo responsabilidade tem elasticidade suficiente para o traduzir. Ser responsável é "ter de responder", ter de explicar (o que remete para account). Enfim...

      Boa noite.

      Eliminar
  2. Grande frase final - infelizmente. Não vi mas já nada me espanta nesta onda desconhecedora contra nós.
    Cada vez gosto mais de aqui vir.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não se trata de uma onda desconhecedora, trata-se de uma onda deliberadamente organizada para mercantilizar o ensino. Trata-se de criar as condições para que a instrução passe a ser uma mercadoria e o trabalho dos professores se torne, também ele, em mercadoria, sujeita às leis da oferta e da procura, com produção de mais-valia para a entidade empregadora.

      É um prazer recebê-la nesta casa.

      Eliminar
  3. E a entrevista do Crato-do-mamar-doce à Veja? Só li uns excertos e fiquei enjoada. Nem sei se tente ler tudo ou se me deixe disso.

    Que pouca sorte a de todos nós estarmos a ser desgovernados por gente tão desqualificada. E, em particular, que pouca sorte a vossa, professores.

    Desejo sinceramente que se mantenham unidos e que saibam portar-se sempre com muita dignidade. Mas não é fácil, eu sei.

    Têm toda a minha solidariedade.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ainda hoje ouvi um professor dizer que não há outra saída senão a do governo. Portanto, a ideologia é mais forte do que a análise racional. Quanto ao ministro Crato não há nada a dizer. Como os anteriores tem duas características: 1.ª uma agenda ideológica precisa e, em parte, ainda oculta; 2.º não sabe nada de educação (não tem conhecimento empírico fornecido de forma científica e não imagina sequer o que é uma escola, o que são os alunos, as famílias, os professores e os directores).

      Entre ideologia e interesses, a escola pública portuguesa vai degradar-se até que seja entregue a privados que viverão de salários miseráveis dos professores e de generosos subsídios do Estado à iniciativa dos "empresários" da educação. É isto que está em jogo, o resto é para inglês ver.

      Eliminar
  4. Não vi (quando estou no meu refúgio, consumo pouca Tv), mas, sobre os professores, escrevi, faz pouco tempo, um simples poste, que creio ser bastante elucidativo acerca desta vergonha.

    http://bonstemposhein-jrd.blogspot.pt/2013/05/quem-e-mais-importante.html

    Um abraço solidário

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não chegará o dia em que um professor seja mais importante do que um jogador de futebol. É uma questão de mercado. O mercado prefere as emoções da bola que bate na trave do que a ascese da aprendizagem. Lá terás as suas razões.

      Abraço e obrigado pela solidariedade

      Eliminar

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.