terça-feira, 18 de junho de 2013

Uma humilhação do governo

Henri Rousseau - Paisaje exótico. Lucha entre un gorila y un indio (1910)

Voltemos, ainda uma vez, à questão da greve dos professores. Ao governo, o tiro saiu pela culatra. Isto não significa que os professores alcançaram ou venham a alcançar o que pretendem (o futuro o dirá). Na estratégia montada para transformar os professores em inimigo público, o que daria ao governo a legitimidade de um justiceiro do farwest, nessa estratégia, digo, alguma coisa correu mal. O governo poderia ter adiado os exames para dia 20, tirando todo o peso da greve e deixando os professores numa situação muito desconfortável. O governo, porém, queria mais, queria imitar Sócrates e Lurdes Rodrigues, queria ter um inimigo que fosse mal visto pela população, e cuja humilhação fizesse a glória dos governantes e servisse de exemplo para a plebe que não se conforma com a miséria. 

O governo saiu humilhado da experiência a que se entregou. Há vários sintomas. O primeiro é o desespero delirante dos comentadores amigos do governo. Armam um espantalho, os sindicatos, e zurzem os sindicalistas como se eles tivessem culpa do profundo descontentamento dos professores. A violência dos ataques, o despropósito e o alarido montado mostram que o governo se saiu mal da sua brincadeira. Em segundo lugar, em momento nenhum o governo conseguiu isolar os professores na opinião pública. Apesar de haver pessoas contra os professores, muito mais gente do que seria de esperar está a perceber as razões que os levaram para a greve. Por fim, os potenciais aliados de Crato - directores, pais e alunos - culpam o ministro pelo caos.

Passos Coelho julgou que tinha uma oportunidade para se tornar a senhora Thatcher lusa e de calças. Enganou-se. Isto não significa, repito, que os professores tenham alcançado o que quer que seja. Significa que a estratégica maquiavélica a que o governo se entregou foi humilhada. Esta experiência e a que ocorreu nos tempos de Sócrates mostram que, hoje em dia, somos governados por gente que perdeu o sentido de comunidade. Não querem resolver problemas, querem, através de estratégias sórdidas, encontrar bodes expiatórios que lhes garantam espaço político para as malfeitorias políticas e sociais com que deliram. Um governo humilhado, nos dias que correm, é sempre uma coisa boa para os cidadãos. E o prof. Crato, o glorificado cronista do Expresso, o salvador da educação pátria, entrega-se a tudo isto sem estados de alma?

10 comentários:

  1. Não sei se o poder deslumbra a ponto de cegar, se aliena, se alguns deles são de tal forma amorais que fazem qualquer coisa, sem quaisquer escrúpulos.

    Conheço pessoas que foram ministros, outros secretários de estado, e é gente normal. Saíram tal e qual entraram e tal e qual lá estiveram: gente normal.

    Agora estes... Olho para eles e acho que é de temer o pior. São perigosos.

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    1. Sim acabei de escrever isso mesmo - que é de temer o pior e que eles são perigosos - no facebook, em comentário a um post sobre o que se passou de irregular, para ser benévolo, em algumas escolas.

      Gente inculta e armada de espírito de missão. O pior.

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    2. Quando me falam no facebook sinto-me uma info-excluída... mas, enfim, resisto.

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    3. O facebook é o emblema dos nossos dias: leve, superficial, rápido no esquecimento. No entanto, é um lugar que pode ser frequentado desde que se tomem as devidas precauções. Aquilo não é um confessionário nem o divã do psicanalista. Quando as pessoas acham que sim, aquilo tem todas as potencialidades para promover inúmeros aborrecimentos.

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  2. Certeiro, o post. Quem dera escrever com este conhecimento, discernimento e esta qualidade. Muito bom. Como sempre, JCM. :)

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    1. Muito obrigado, Faty Laouini. Há coisas que têm de ser ditas.

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  3. Neste como no consulado anterior, nem sempre a derrota de um governo "espertalhão" significa a vitória da razão.
    O tempo se encarregará de confirmar ou infirmar o facto.
    Já essas figuras inquietantes que são os escribas de serviço permanente, mesmo desesperados, não largam o estipêndio e só mudam quando chegar a ocasião.

    Abraço

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    1. Julgo que estes não são tempos em que a Razão obtenha grandes vitórias. Mas é consolador ver a desrazão a ser derrotada, mesmo que isso não altere grande coisa. Quanto aos escribas há uma coisa insuportável. A falta de probidade. Não me refiro ao Sousa Tavares. Esse não gosta dos professores, está no seu direito. Ataca-os de frente, muito bem. O pior são aqueles beatos universitários que se apresentam como os mais probos dos argumentadores e apenas produzem falácias. Uma vergonha.

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  4. Os professores continuam a ser uma classe privilegiada. Se não fossem, não faziam greve porque a greve é uma despesa, um luxo. Há quem não tenha o luxo de fazer greve. Por esses é que deviam ser feitos esforços. Se culpam os políticos por lutarem pelos interesses próprios pois bem, eles não fazem menos que os professores. Enquanto os governos tomavam decisões completamente estúpidas, ninguém disse nada. Agora que a ração é pouca, todos os cães ladram. Marcar uma greve para dia de exame só prova que o objectivo deste era causar estragos. Enquanto a ideia reguladora da greve não for a cooperação ou a sua falta, esta nunca fará sentido.

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    1. Não vou argumentar sobre o facto dos professores serem ou não uma classe privilegiada. Só duas notas. Não é verdade que os professores não tenham dito nada "Enquanto os governos tomavam decisões completamente estúpidas". Disseram e contestaram muitas das coisas estúpidas que os governos foram fazendo na área da educação. Quanto à ideia reguladora - um tema kantiano - da greve, ela é mesmo a da defesa dos interesses próprios do grupo grevista (nesta caso, o emprego e a sua qualidade), isso é a essência das sociedades demo-liberais. Como os professores não têm quem os defenda, usaram de um direito constitucional na defesa do interesse próprio. Quanto ao causar estragos, estou de acordo consigo. Todas as greves visam provocar perdas no outro lado. No entanto, esta greve (e eu não pertenço a nenhum sindicato) foi marcada estrategicamente para dar oportunidade ao governo de minimizar os estragos. O governo não quis. Aliás, se o tivesse feito teria retirado qualquer impacto à contestação dos professores. Julgo que os próprios sindicatos ficaram espantados com tudo isto. Nem esperavam que o governo fosse tão medíocre estrategicamente nem estavam à espera que a generalidade dos professores aderisse à contestação como aderiu.

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