segunda-feira, 2 de setembro de 2013

A ficção filosófica

Egon Schiele - A verdade desvelada (1913)

Ainda se os vê (aos jovens hegelianos), indo de uma lado para o outro, murmurando na sua gíria, louvando o mestre e com a séria convicção de que frases como «a natureza é a ideia na sua alteridade» querem dizer alguma coisa. Desorganizar dessa maneira um cérebro jovem e fresco é realmente um pecado que não merece nem perdão nem comiseração alguma. Esta foi, pois, a famosa influência  de Hegel nos seus contemporâneos e que, por desgraça, se estendeu e difundiu até muito longe.  (Arthuer Schopenhauer, Sobre a filosofia universitária)

Este violento ataque de Schopenhauer a Hegel funda-se na convicção de que a filosofia tem alguma coisa a dizer sobre a realidade. O que é interessante na filosofia é, contudo, o seu carácter ficcional. Por exemplo, a Ideia platónica ou a Substância aristotélica são invenções notáveis. Os filósofos inventam conceitos e regras para os usar. Esse uso regulado dos conceitos são as teorias, isto é, as ficções que os filósofos produzem. Por norma, as regras usadas são de carácter lógico e visam evitar a contradição (é sempre muito aborrecido uma pessoa que se contradiz) e as falácias. Aquilo que distingue Hegel de muitos outros filósofos é que a suas ficções dão um relevo essencial à contradição, para além de uma linguagem que parece inventar-se a cada instante. 

Porém, tudo isto não terá importância alguma. Se as teorias filosóficas forem encaradas como construções poéticas ou romanescas, mesmo a existência de contradições e de falácias se torna irrelevante. É evidente que os filósofos - porventura, com a excepção dos cépticos - se dizem orientados pela busca da verdade, pretendendo, nessa caminhada, validar os seus argumentos. O leitor de filosofia deve, no entanto, desconfiar de tamanha pretensão. O essencial é o prazer que pode obter na leitura de uma obra, a contemplação, depois de um árduo investimento, da mestria do autor para compor a sua ficção, a capacidade para inventar conceitos fátuos e teorias ardilosas. Ao ler filosofia, o leitor deve ser guiado pela busca do prazer e não da verdade. Se a verdade o interessa, o melhor será bater a outra porta. Mas qual a porta humana que, ao abrir-se, nos levará à verdade? 

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