sexta-feira, 15 de novembro de 2013

O caso francês

A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.

Vale a pena olhar para França e para o destino que assola o actual Presidente socialista. Hollande foi eleito em 2012, criando uma maré de esperança. Esperança de que seria possível inverter o caminho que a Europa está a seguir e limitar os danos que a liberalização da economia mundial multiplica. Qual a situação de Hollande nos dias de hoje? O presidente francês é uma enorme decepção. As sondagens dão-lhe apenas 21% de apoio e tem a França à beira do motim contra as suas políticas. O pior caso é o da revolta dos barretes vermelhos contra as portagens ”ecológicas”, o desemprego e a carga fiscal.

Esta revolta é um fenómeno duplamente interessante. Junta gente de todos os credos políticos, da extrema-direita à extrema-esquerda, e de todas as classes sociais. Por outro lado, está a acordar o nacionalismo bretão, recomeçando-se a falar na independência da Bretanha. Dito de outra maneira, os franceses estão em pânico e, perante a impotência de Hollande, começam a virar-se para alternativas bem mais radicais. Quem esperaria, em dias de globalização triunfante, ouvir falar no nacionalismo bretão ou do crescimento a bom ritmo da extrema-direita nacionalista e antieuropeia?

O drama dos socialistas, onde devemos incluir o nosso António José Seguro, reside em nada terem a oferecer ao eleitorado. Durante décadas, promoveram uma política de compromisso e equilíbrio. Tinham a função de evitar o crescimento dos partidos comunistas, propondo aos eleitores programas reformistas apoiados no crescimento das classes médias. Hoje, porém, não existe a antiga clivagem entre capitalismo e comunismo. O comunismo desapareceu e o liberalismo não tem qualquer opositor formal e ameaçador. O que existe é uma direita liberal forte e confiante e uma massa enorme de gente desesperada e sem rumo, de gente pronta a votar em qualquer coisa que lhe prometa a fuga ao pesadelo em que vive.


Agora, quando os socialistas chegam ao poder, a única coisa que têm disponível é a política liberal da direita. O caso de Hollande, para além de uma ou outra medida platonicamente social, é esse. Não tem e não quer ter nenhuma política que rompa com o liberalismo dominante. Por isso, entre o eleitorado, a transição da esperança para o desespero é quase instantânea. A aspiração a uma vida que foi boa, e que agora se desfaz implacavelmente, vai conduzir as pessoas a acções cada vez mais radicalizadas e irracionais. Os socialistas, sem qualquer solução autónoma, serão arrastados, como o foi a direita de Sarkozy, pelo desespero ou pelo tumulto. Só isso.

13 comentários:

  1. Lembrar-me eu que escrevi isto (especialmente o link):

    http://bonstemposhein-jrd.blogspot.pt/2012/05/cest-maintenant-pas-demain.html

    Quanto à Bretanha...Podemos pensar também na Córsega, no País Basco. etc.

    Abraço

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  2. Sim, para a esperança não há mais do que breve agora. Os nacionalismos, que foram subjugados por outros maiores, estão a renascer. Um molho de brócolos.

    Abraço

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  3. Creio que o socialismo, não o de Hollande ou o de Seguro, comprometido com a direita neoliberal, mas o socialismo mais à Esquerda, incluindo as que estão englobadas nos partidos socialista europeus, tem ainda muito para oferecer e pode fazer frente ao processo de neoliberalização selvagem em curso. Precisa é de se organizar e não ter medo. A pressão é enorme, bem sei. Também não creio que o comunismo tenha morrido. O nosso PCP é a prova clara do poder que ainda tem ( e não, não são estalinistas nem norte-coreanos, o projecto de Álvaro Cunhal era diferente, mais adaptado às nossas circunstâncias). Há também uma direita que não é neoliberal e que se está a unir aos protestos contra as políticas seguidas actualmente, menciono apenas o novo Congresso das Esquerdas que tem a participação de nomes como Freitas do Amaral, Pacheco Pereira, gente da Igreja, por exemplo. Que os nacionalismos ressurgem agora, claro, sempre existiram, estavam relativamente adormecidos...Só em ESpanha temos vários e a bretanha tem uma longa tradição ligada a ideias de independência, segue em parte as suas leis. Tivesse a França não um Hollande mas um Miterrand e as coisas seriam bem diferentes. Os actuais representantes de elite do socialismo é gente fraca, basta olhar para eles, para como falam, para as hesitações constantes. Ah...e a UE é hoje em dia mais contestada que nunca...os tempos que se aproximam são imprevisíveis...

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    1. O problema não está já em haver gente que politicamente é contra o curso dos acontecimentos. O problema é que o poder deixou de estar nas mãos dos políticos - eles abandonaram-no propositadamente - e, para que a política no Ocidente recuperasse o poder seria necessário que potências como a Rússia, a China ou, mesmo os EUA estivessem interessados nisso. Não estão. Porque as políticas alternativas às actuais representariam um certo fechamento dos mercados. O Ocidente deixou de estar nas suas mãos. Colocou-se, a partir de Thatcher em mãos alheias. No entanto, há uma janela no horizonte. A resolução do Comité Central do PC Chinês de virar a economia para dentro, para o consumo interno. Isso poderá ter efeitos benéficos para o povo chinês, mas também para os ocidentais. O Daniel Oliveira escreveu um artigo interessante sobre isso no Expresso online.

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  4. Sim, tem razão. Li o artigo que refere do Daniel Oliveira. Até a China começa a perceber os efeitos da globalização selvagem. Ou sempre soube...Essa é de facto uma janela de esperança, mas não podemos, calro, ficar à espera que a China nos resolva tudo. São precisos políticos que retomem esse poder nas mãos no mundo ocidental e para isso toda a contestação e pressão que a spopulações forem fazendo é útil. A União Europeia tem de começar a fazer frente a esse pode obscuro das grandes corporações e agir a para bem dos cidadãos que a habitam. Merkel continua autista, parece-me. E, sinceramente, não vejo na UE ninguém que lhe faça frente a sério. Daí os nacionalismos maiores ou menores, mais racistas ou mais xenófobos...Quem, mas quem se opõe a Merkel na Europa?

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    1. Claro que a contestação das pessoas é útil, mas o problema é que as pessoas deixaram de ser a fonte de legitimidade material do poder. Esse reside, hoje em dia e mais que nunca, à teia de grandes corporações. Na antiguidade romana, dizia-se que o poder estava no povo mas a autoridade no senado. Hoje o poder está no dinheiro e a autoridade - formal e moral - no povo. Quanto à Alemanha, duvido que ela se torne razoável. O seu racionalismo raramente é razoável. Ganha demasiado com a asfixia do Sul. Está viciada. Os bons resultados da sua economia e até a defesa do seu Estado Social, sem grandes custos para os detentores do dinheiro, dependem do que de mal se faz por cá. Os chineses, por exemplo, são muito mais razoáveis que os alemães.

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  5. Esse é um dos nossos grandes problemas, o facto de o racionalismo alemão raramente ser razoável. Aliás, só é razoável sobre pressão. Após se II Guerra tiveram mesmo de ser razoáveis, esquecendo-se depois da ajuda que tiveram dos Aliados para a sua recuperação económica. Por isso digo que precisamos de políticos fortes e com visão que saibam ir buscar a autoridade do povo, como refere. Para que com essa autoridade se retome o poder que agora está nas mãos obscuras das grandes corporações. Só a pressão popular o pode fazer, tanto na UE como nos EUA. A China é milenar, tem muito mais sabedoria do que a Alemanha e o seu racionalismo invasor. Protestemos, portanto.

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    1. O taoismo e a sua vertente social, o confucionismo, deram à China uma noção de razoabilidade muito diferente do racionalismo iluminista europeu, do qual a Alemanha é um dos produtos. A razoabilidade chinesa acaba por ter pontos de contacto com a moral e a política aristotélica, a qual representou uma moderação relativamente às visões racionalistas de Platão, embora estas sejam, genericamente, alegóricas.

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  6. O grande paradoxo da China é maior do que a muralha. Quem diria que o Ocidente mais habituado às desprezíveis lojas chinesas, deposita agora as últimas esperanças no grande basar que é O mercado da RPC.
    Já a Alemanha é o que sempre foi, com duas intermitências, para o ano faz um século que desencadeou a primeira guerra. Agora não precisa (nem consegue) usar as baionetas ou as bombas, chega-lhe a asfixia económica com a colaboração dos capatazes de serviço da classe politica europeia. A História dirá se o muro tombou para o lado certo...Eu não sei.

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    1. A história diz sempre coisas contraditórias. Mas talvez o dilema histórico não seja sobre o lado para onde deveria ter caído o muro, mas se o muro deveria ter caído. Não estaríamos todos mais tranquilos se em vez de uma houvesse duas Alemanhas?

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  7. Provavelmente estaríamos mais tranquilos graças ao equilíbrio do medo e, reconheça-se, à grande contradição que resultava da liberdade mitigada de alguns.
    Mas isto dava pano para mangas...

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  8. Quanto ao muro, faço a mesma pergunta que o comentador JRD: Terá o muro caído para o lado certo?

    Por que não pensar esta possibilidade?

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    1. Eu diria que, se o muro caísse para o outro lado, os ventos de Leste não seriam melhores nem mais interessantes que os do Oeste. Do lado de lá do muro, toda a gente estava farta daquela ventania. Isso não era verdade quanto ao lado de cá. O melhor mesmo para nós seria a existência do muro. Mas isto é cinismo.

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