terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Economia do conhecimento

Anónimo chinês - Escola e educação

Os educadores [naquela região, Xangai] compreenderam que a economia mundial vai recompensar a excelência e já não valoriza as pessoas pelo que elas sabem mas pelo que conseguem fazer com o que sabem (Andreas Schleicher).

Os resultados obtidos pelos alunos da região chinesa de Xangai no PISA deixaram muita gente perplexa, nomeadamente os norte-americanos. Argumentou-se que alguma coisa estaria errada e que, naturalmente, os alunos chineses conseguiriam bons resultados apenas nas tarefas rotineiras, aquelas que podem ser treinadas nas escolas. No entanto, a realidade parece ser radicalmente diferente. Por exemplo, as tarefas matemáticas mais exigentes, que testam a capacidade dos alunos para conceptualizar, investigar e aplicar conhecimentos a novos contextos, são realizadas apenas por 2% dos alunos americanos e 3% dos europeus. Contudo, a percentagem de alunos de Xangai que consegue realizar essas tarefas complexas é de 30%. Três notas sobre esta tragédia ocidental.

Em primeiro lugar, toda a retórica sobre a economia do conhecimento, a importância das aprendizagens, o valor do saber, retórica que infestou os sistemas de ensino ocidentais, com destaque para o português, levou-nos a esta situação. O experimentalismo político, a deficiente formação de professores e a indisciplina dos alunos, bem como uma cultura de desprezo pela esforço, rigor e exigência, muito enraizada nos alunos e, em Portugal, nas famílias, só pode produzir resultados destes.

Em segundo lugar, estes resultados sinalizam claramente para onde se está a deslocar o poder mundial. Os povos asiáticos levaram a sério a questão da economia do conhecimento e perceberam, contrariamente aos ocidentais, onde a sobrevivência e o poder se vão jogar nos próximos decénios. Em vez de jogos florais, trataram de levar muito a sério os sistemas de ensino e os resultados na educação. Acima de tudo, não destruíram a cultura de esforço e de disciplina necessária às aprendizagens mais complexas, às aprendizagens que exigem a aliança entre conhecimento e criatividade.

A terceira nota serve para sublinhar, a partir da citação em epígrafe, o fim de uma cultura da erudição. O que está em jogo não é aquilo que as pessoas sabem, mas aquilo que fazem com o saber que dispõem. A derrota da erudição, porém, não significa uma vitória dos aspectos práticos da existência sobre a produção teórica. Pelo contrário, significa a exigência de elevada capacidade de teorização e, ao mesmo tempo, de estabelecimento de conexões com o mundo da vida, para que teoria e praxis se inter-animem num jogo sem fim. Tudo coisas que o sistema educativo português está longe de conseguir fazer.

10 comentários:

  1. Esta notícia deixa-me intrigada e deixa-me apreensiva. Vou ter que pensar um bocado nisto pois tem razão: acho que ainda não percebemos bem o que está a acontecer a todos os níveis.

    Um post muito oportuno e muito inteligente este. Deixa-nos a pensar - pelo menos a mim deixa.

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    1. A situação é, de facto, muito mais grave do que pode imaginar. E a gravidade dela é aumentada exponencialmente pela ausência de consciência do que se está a passar. A questão da educação das novas gerações é uma questão política central - das mais centrais - e nós estamos a desinvestir, tanto economicamente como intelectualmente. Há pouco pensamento pertinente sobre a situação educativa, embora exista muito lixo cognitivo a falar do assunto.

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    2. Trata-se de uma temática que me transcende, não por alheamento mas sim por impreparação.
      Pelo pouco que sei, creio que os "modelos nórdicos" são os mais equilibrados.

      Abraço


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    3. Os modelos nórdicos estão em retrocesso, mesmo a Finlândia desceu bastante no ranking. A Suécia está já atrás de Portugal.

      Abraço

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  2. A única surpresa é a surpresa dos americanos, ainda este ano estivo com o director de admissões de uma escola especializada ( tecnologia 3d, VFX) de Los Angeles e ele confirmou que os melhores alunos eram chineses, aliás até nas universidades os melhores alunos, nos EUA são Asiáticos.
    O que me deixa a pensar é que os chineses se estão a formatar adequadamente para o sistema vigente, mas pode ser que o sistema mude, e não é uma profecia, é a leitura da realidade. A escola está num limbo, não pode competir com a velocidade de outros meios de aquisição de informação e não os incorpora de forma crítica. Em Portugal a escola é um laboratório de intermináveis dr jekil.

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    1. Não creio que os chineses se estejam a formatar para o sistema vigente. São eles que apresentam os melhores resultados naquilo que é mais plástico, menos rotineiro. Parece-me, mas isto é visto a partir de um olhar superficial dos resultados, que eles estão a educar-se para terem maior maleabilidade intelectual e poder de adaptação. Mas, como disse, não estudei as provas nem o relatório. Vi apenas os resultados.

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  3. Agradeço a informação. Reconheço que estou desactualizado e, sobretudo, "influenciado". Pensava que a Finlandia, a Dinamarca e a Noruega, além da Austrália, Cuba e Nova Zelândia estavam no topo.

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    1. Julgo que Cuba não fez parte do estudo. Pode-se aceder aos resultados das várias áreas aqui: http://www.oecd.org/pisa/keyfindings/pisa-2012-results-volume-i.htm

      Aceder às tabelas excel dos capítulos 2, 4 e 5. Os resultados são interessantes. Uma coisa curiosa é que os desempenhos de topo são mais numerosos em matemática do que na língua materna.

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  4. Gostei de ler esta perspetiva, mais informada e mais alargada do que a minha, num post recente. Eu, do que havia lido, tinha-me horrorizado com a rotina mecânica da escola de Xangai e a ser verdadeira continuo a horrorizar-me. Por tudo o que explico lá. Mas li pouco sobre o assunto. Acredito que os resultados e a competitividade fazem a diferença mas a que custo, também, interrogo-me. Não sou fã das sociedades mecânicas, seja lá de que forma for. Bom fim de semana,

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    1. Nós acabamos por ter imagens muito estereotipadas dos povos asiáticos, bem como das suas instituições. É evidente que haverá muito trabalho de mecanização, mas isso é necessário em todos os processos de aprendizagem sérios. Só depois dessa mecanização é que se libertam as forças criativas comprimidas. Julgo que é isso que se está a passar no Oriente.

      Bom fim-de-semana

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