segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Johannes Vermeer - Lady writing a letter with her maid

Jan Vermeer - Lady writing a letter with her maid (1670)

São vários os quadros de Vermeer que têm por tema central a relação entre a senhora e a criada. Há, entre os especialistas da sua pintura, uma discussão sobre a relação entre as duas figuras. Há quem leia no quadro a inexistência de conexão entre elas, devido ao foco dos interesses ser bastante diferente - a escrita para a senhora, a contemplação do exterior para a criada. Outra leitura defende que, pelo contrário, existe uma enorme conexão e intimidade entre as figuras em presença, já que a senhora não hesita em escrever uma carta, supostamente íntima, na presença da serva.

Ao olhar para o quadro, somos colocados sobre uma dupla focagem, como se o pintor quisesse, de facto, que dividíssemos a atenção pelas duas figuras, que percebêssemos aquilo que nelas está inscrito e as torna naquilo que são, muito para além da possível existência ou não de uma cumplicidade entre ambas. Quais os elementos centrais que caracterizam as posições sociais de ambas? Por um lado, encontramos a iniciativa e, por outro, a expectativa. A senhora é aquela que tem a iniciativa e que se ocupa com a acção, neste caso a acção de escrever uma carta. A serva queda-se na expectativa e contempla aquilo que é exterior à cena.

Neste quadro de Vermeer, há toda uma lição sociológica e um retrato do emergente mundo burguês. O que determina o lugar social é o poder de iniciativa, o qual desencadeia a acção e, por isso, sublinha e reforça um lugar de comando. A senhora comanda, mas isso não é dado a ver por qualquer gesto imperativo, mas porque ela é mostrada em acção. A criada é serva, pois está condenada a esperar, braços cruzados, impotente e incapaz de desencadear a acção. Resta-lhe contemplar aquilo que é lateral ao drama que ali se desenrola. O que o quadro nos mostra é a dependência da cadeia de comando social da acção. No mundo burguês que ganha raízes naqueles dias, a velha atitude contemplativa é agora reduzida à pura impotência que condena o indivíduo à servidão.

5 comentários:

  1. Excelente interpretação do quadro.
    A serva, analfabeta, não partilha da carta, apenas espera que a senhora a termine para a ir entregar no destino.

    Um abraço

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    1. A questão da iniciativa da acção é um dos pontos fundamentais da modernidade nascente. Neste quadro, ele está clara e ostensivamente presente.

      Abraço

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  2. °°° mas é claro. Ela é a cúmplice. Está a olhar lá para fora para ver se aquele que ele enviou chega. Fazer chegar uma missiva.. . é toda uma aventura. ..
    ...continua a ser sempre um enorme prazer seguir o que vai abrindo quando escreve...

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  3. Fazer chegar uma carta ... a criada espera o emissário com a mesma paixão com que a senhora escreve. Talvez a senhora se chegue a apaixonar pelo que escreve.... a criada, provavelmente analfabeta, fixou o rubor do rapaz que vem buscar o recado e essa vermelhidão enche-a...
    Continua a ser um enorme prazer seguir as coisas que vai abrindo quando escolhe imagens ou escreve.
    Abraço.

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    1. Quando estava a ler o que escreveu, pensei que as narrativas que se podem construir a partir do quadro são incontáveis e que isso contamina a especulação que sobre ele se possa fazer, também elas incontáveis. O que, de certa maneira, mostra a fragilidade da pretensão à verdade da teorização.

      Muito obrigado por continuar a vir aqui.

      Abraço

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