quarta-feira, 9 de abril de 2014

A vitória dos nómadas

James Rosenquist - Nómada (1963)

Não há irmandade mais perigosa do que a dos Nobel da Economia. É certo que, entre os membros da distinta seita, encontramos gente para todos os gostos e as opiniões mais díspares sobre as realidades intangíveis com que operam. O perigo provém do seu carácter sacerdotal. Tornaram-se os grandes mediadores entre os interesses instalados no mundo (a nova divindade) e o poder político, agora em mais uma maré de submissão teológica ao bezerro de ouro. São eles que justificam e legitimam as pretensões dos interesses aos olhos dos governantes, e que conduzem estes a governar contra a generalidade dos governados.

Vem tudo isto a propósito das opiniões de Edmund Phelps, que entrou para a irmandade em 2006. O senhor não tem casa própria, o que é uma opção legítima. A razão, porém, é que ter casa própria - isto é, criar raízes num lugar, fazer parte da comunidade, talvez constituir família, grupos de amigos, etc. - é péssimo para a inovação. Fomenta a fixação das pessoas e o seu congelamento em posições irreversíveis. E como todos compreenderão, inovar é destruir a irreversibilidade das posições. Sob o manto retórico-mágico da inovação lá se descobre o pensamento apostólico do senhor. Cito: "Queremos pessoas prontas a partir no dia seguinte para ingressar numa indústria ou encontrar algures um novo emprego".

Sacerdote e profeta, Phelps anuncia, ao mundo, o fim do sedentarismo. Os seres humanos devem estar sempre mobilizados para se pôr a caminho, para sair da sua zona de conforto - a comunidade, a família, os grupos de amigos, etc. são a zona de conforto odiada pelo nosso governo e pelos sacerdotes e profetas desta nova religião -, para se fazerem à estrada, puros heróis de Kerouac, e servirem os interesses da divindade. Eis a vitória dos nómadas sobre os sedentários. Mas, atenção, estes novos nómadas são solitários, não vivem em comunidade, não pertencem a um rebanho em perpétua transumância. O seu lugar é em nenhures, pois em sítio algum é, agora, o lugar do homem moderno. Os homem deixaram de ter um sítio para passarem a ter um movimento. Somos todos meros transeuntes que se deslocam pelas ruas da aldeia global. A doença da humanidade, a cada dia que passa, torna-se mais grave e, com tanta inovação, corre o risco de se tornar irreversível.

2 comentários:

  1. Se me permite a extrapolação, entendo que confinar a irmandade aos Nobel é demasiado redutor, porque os indomáveis economistas, nómadas (com pastas de executivo no lugar das mochilas de Kerouac) ou sedentários, sendo todos diferentes são todos iguais (há poucas excepções), mesmo quando parece que divergem.
    Aliás, como afirmou Cavaco num dos seus eloquentes rasgos de economês: as decisões económicas baseadas nos conhecimentos dos economistas têm mais possibilidades de acertar, do que as baseadas na ignorância...dos outros.

    Um abraço

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    1. Os nobelizados são uma categoria à parte. Os outros são apenas pretendentes, embora desempenhem papéis de grande influência. Possuir um Nobel no currículo é uma proeminência que alarga o mercado. Enfim, são responsáveis por grande parte do que se está a passar e não parecem lá muito preocupados.

      Abraço

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