sexta-feira, 15 de agosto de 2014

A habilidade do funâmbulo

Fernand Léger - Los acróbatas del circo (1918)

Estar nesse lugar a que chamam vazio e olhar-se demoradamente como quem perscruta o horizonte em busca de um fim, de uma fronteira que limite o espaço e introduza um ponto de ordem no caos que há em si mesmo. No vazio, descubro o meu próprio vazio, o exercício melancólico e inútil com que apresento no circo, como virtudes, os mil vícios que me constituem. Como compreendo os antigos padres do deserto. Fugiam para ali para combater os demónios e eram eles mesmos o inimigo a abater. Num tempo em que os desertos fazem parte dos roteiros turísticos, resta o vazio. Refugio-me nele e preparo-me para o combate. Mas nem para dar guerra aos demónios já sirvo. Resta-me a habilidade do funâmbulo, para a qual me preparei, sem êxito, ao longo de uma vida.

2 comentários:

  1. Ainda bem que o personagem não teve êxito, porque a condição de funâmbulo não é solução. Penso eu...

    Um abraço

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    Respostas
    1. Não, mas não havendo outra? Mas se nem para essa se serve, o que fazer?

      Abraço

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