segunda-feira, 29 de setembro de 2014

O terror do paternalismo

Oscar Dominguez - Liberdade (1957)

A notícia de portugueses convertidos ao Islão e ao jihadismo começa a desvelar uma realidade que por cá não se imaginava. Como é possível que alguém nascido e educado nos valores da liberdade se converta a práticas que aniquilam a liberdade dos outros? Esta pergunta surge agora com frequência, perante o feroz fanatismo que se observa em várias partes do mundo. Poderá haver explicações sociológicas e psicológicas para estas conversões e para este tipo de atitude. No entanto, elas tenderão a perder o essencial. Aquilo que dinamiza estas atitudes está presente na maioria dos homens. Trata-se da incurável tentação de mudar os outros, de lhes impor uma conversão que, à falta de uma iluminação na Estrada de Damasco, será realizada pela violência física e pela coacção psicológica, desencadeando o medo nas pessoas.

Nos sítios mais benignos do nosso mundo, há sempre gente que está disponível para converter os outros aos seus valores e modos de vida. Espalhar a sua boa nova em campanhas de educação, seja educar para o amor à literatura, à música erudita, ao teatro, à religião, ao clube desportivo. Dir-se-á que estas coisas não têm todas o mesmo valor. É verdade, mas fazer campanhas a favor da música erudita ou de uma religião não deixa de ser uma forma de querer condicionar o gosto do outro e, em última análise, a sua liberdade. O que acontece é que nem todas estas coisas têm o condão de transformar a nossa melancólica indignação, com o desprezo que os outros votam ao nosso gosto e aos nossos prazeres, num exercício purificador de terror.

Não é grave lançar campanhas para criar públicos de leitores ou de amantes de Beethoven. No fundo, todos somos tentados a achar que essas campanhas têm como finalidade fornecer aos outros um bem espiritual superior. A frustração desses desideratos conduzirá a uma certa indignação melancólica, como dizia, que acabará por se conformar com a ordem das coisas e a indiferença da generalidade dos intimados à conversão. No entanto, não deixa de ser uma visão paternalista do mundo e dos outros. Mas quando esse espírito paternalista e apostólico encontra um objectivo absoluto – seja a submissão a Deus ou a construção de uma sociedade perfeita – essa indignação deixa de ser melancólica e encena a ira divina, transformando-se em terror. O terrorista, em última análise, não suporta que a sua visão do mundo não seja sustentada pela adesão universal a ela. Sente isso, sem o assumir, como um desrespeito à sua pessoa, um golpe no seu inconfessado narcisismo. Ele tem a boa nova, a visão que salvará o mundo. Esta paranóia, plena de ressentimento, não suporta a velha liberdade, aquela de cada um fazer, sem tutores, o que entende da sua vida, desde que não prejudique a liberdade dos outros. Ora esta atracção fatal de muitos jovens ocidentais pelo jihadismo é apenas a intensificação paroxística do paternalismo que cada um de nós alberga no fundo dos seus medos e da sua fragilidade, do seu incurável narcisismo.

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