quinta-feira, 23 de outubro de 2014

A vertigem do absoluto

Leon Spilliaert - Vertigo (1908)

As notícias sobre a presença de ocidentais nas fileiras de combatentes do Estado Islâmico e os dois atentados agora ocorridos no Canadá, perpetrados por recém convertidos ao Islão têm levado muitas pessoas a interrogar-se sobre as motivações que poderão existir nos ocidentais para aderirem a uma agenda de terror e sangue sob a bandeira de uma religião que lhes é estranha. Há múltiplas explicações, umas de tonalidade psicológica, outras de matiz sociológica, outras de natureza política. Todas elas acabam por iluminar um aspecto do problema. Há, contudo, motivações que podem ter outro cariz, outra natureza, uma natureza metafísica. 

O que pode atrair, e certamente terá atraído, muitos jovens para a militância fundamentalista - e que não é muito diferente daquilo que atraiu outrora outros jovens para a militância esquerdista e anarquista - pode ser aquilo que podemos designar pela vertigem do absoluto, a submissão do desejo a imperativos incondicionais que justificam qualquer acção, e acima de todas elas o terror. A condição humana é frágil, fragmentária, finita. A relatividade está inscrita em nós, mas é sentida como um ferrete, um ferrete que acaba por espicaçar o desejo e os delírios de uma ordem absoluta, onde exista uma verdade absoluta que justifique absolutamente a realização dos nossos desejos.

Dotado de uma capacidade infinita de desejar, mas limitado drasticamente pela sua finitude, o homem pode ser conduzido à tentação máxima, que é de se proclamar a voz e a mão de Deus, do Absoluto, na terra. É esta tentação, fundada num desejo sem controlo nem mediação, que conduz muitos destes jovens às opções que agora todos conhecem. Isto, contudo, não é novidade. A história ocidental está cheia de exemplos de vertigem do absoluto. Nas guerras religiosas, na criação de seitas, na teologia política que fundou coisas tão distintas como o anarquismo, o comunismo, o fascismo ou o nazismo. Em todos estes lugares encontramos a mesma doença metafísica do desejo, que não suporta os limites que a realidade impõe à sua realização e à sua natureza. A única novidade é que agora não é uma ideologia produzida no Ocidente que mobiliza a vertigem do absoluto. Mortas as ideologias, o lugar logo foi preenchido por uma nova importada do mundo muçulmano. Onde a vertigem do absoluto se manifestar, tarde ou cedo o sangue correrá e o terror tentará desarticular a vida comum. E é isto que está a acontecer sob o nosso olhar perplexo.

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