quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Vagarosas silhuetas

Caspar David Friedrich - Autumn (1826)

Um sol baço corre entre nuvens, um rasto de luz quebra-se nos fios de água. Aqui e ali, manchas azuis, um sobejo de Primavera, a nespereira carregada de frutos, as rosas desfolhadas pela chuva. As casas são agora vultos cansados, dobrados à garra afiada do tempo. Casas sonolentas, pardas de esquecimento. Eu, pobre de mim, perco-me nas águas à tua espera, perco-me nas tuas mãos onde, insensato, deixo um livro marcado por uma velha folha de plátano. Perco-me no sonho de uma noite de Verão. Das janelas entreabertas assomam vagarosas silhuetas, observam aquilo que passa, olham da sua eternidade e abanam gravemente a cabeça. Assim julgam, naquela sabedoria que o cansaço traz, o bulício que corre sob a inclemência do tempo. Depois recolhem-se no vácuo negro onde habitam. No horizonte, há um vazio inominável e feroz. Alguém grita. E eu oiço, aqui tão perto, um eco mudo vindo sabe-se lá de onde. A tarde desvanece-se na vagarosa silhueta que em mim se recolhe à espera que tragas, na tua, todo o Outono que nos espera. (averomundo, 2008/05/08, revisto)

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