quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Um pensamento feliz

Francisco Bores - Felicidad (1955-58)

Li há pouco a estranha expressão “era um homem de pensamento feliz” e fiquei tomado por uma perplexidade tal que suspendi a leitura. O que naquela frase poderia causar-me tão grande perplexidade? Nunca me tinha ocorrido fundir pensamento e felicidade. Talvez o autor estivesse a usar uma expressão figurada e quisesse apenas dizer que se estava perante alguém cujo pensamento é oportuno, que possui perspicácia ao analisar uma situação ou ao propor uma solução. Alguém que pensa bem, em suma. Isso, porém, seria substituir uma avaliação técnica por um estado de alma pouco adequado à retórica da avaliação. O que me causa perplexidade é, de facto, essa conjugação entre pensamento e felicidade, a substituição da verdade enquanto virtude do pensamento pela felicidade.

Talvez hoje em dia exista um mercado para esse tipo de coisas, para um pensamento feliz ou para uma filosofia que promete felicidade, que vende bem-estar pela deglutição de algumas teorias filosóficas, devidamente expurgadas da malevolência que existe em todo o pensar. Tudo isto, contudo, é uma falsificação. Pensar é já uma confissão, a confissão de que se abandonou a busca da felicidade, para enfrentar o terrível que se esconde e que deve vir até nós sob o nome da verdade. Por que motivo a verdade que o pensamento nos revela sobre o mundo nos deveria fazer felizes? Não encontro qualquer motivo. Talvez a razão maior da minha perplexidade nasça de uma antiga convicção que nunca consegui abandonar: se deixasse de pensar conseguiria abrir a porta da felicidade.

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