quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

A nostalgia da comunidade

Antonio Bisquert - Cabeça de Karl Marx (1986)

As voltas que o mundo dá! Afinal, no coração dos alemães há uma nostalgia pelo velhos tempos do comunismo. Nas regiões da antiga República Democrática Alemã, aquela que viveu sob um regime comunista, uma sondagem indica que 59% dos cidadãos acham os ideais comunistas e socialistas benéficos para a sociedade. Mesmo no território da antiga República Federal são 37% dos cidadãos que têm a mesma opinião (ver aqui). Podemos perguntar como é que isso pode acontecer, se a Alemanha actual (onde 60% dos cidadãos considera não haver uma autêntica democracia) nos é vendida, a cada telejornal, como o paraíso que todos, em especial os indigentes do Sul, devem emular?

Haverá múltiplas explicações para o fenómeno. Umas de carácter social, outras económico, outras político. Gostaria, porém, de sublinhar um aspecto de natureza metafísica. As sociedades liberais distorcem a realidade humana ao pensar e promover a ideia de que a sociedade é o resultado de um contrato entre indivíduos, que perseguem racionalmente os seus interesses e que, por isso, se associam. A sociedade seria, então, o resultados da inter-relação das intenções e interesses individuais. Isto, porém, é uma falsificação. O homem é, originariamente, um ser comunitário. A comunidade é a casa do homem singular, antecede-o e abriga-o. Ela não resulta de nenhum contrato racional, mas do desenvolvimento histórico da própria espécie.

Quando vivemos em sociedades cada vez mais atomizadas, onde os indivíduos são deixados a si mesmos e incentivados a competirem uns com os outros, o mais natural é que cresça uma nostalgia pela vida em comunidade, pela valorização dos laços de partilha e de inter-ajuda. Os próprios ideais comunistas e socialistas representavam já no século XIX a expressão dessa nostalgia, uma reacção ao atomismo social, mesmo que os intelectuais e os militantes que os defendiam não tivessem disso consciência. A melancólica saudade dos alemães de leste é a manifestação da doença que afecta as sociedades liberais, fundadas numa metafísica social em contradição com a própria natureza comunitária do homem. Esta nostalgia germânica pelo comunismo sublinha a inumanidade de um liberalismo puro e duro (o ordo-liberalismo alemão ou o neoliberalismo anglo-saxónico) e o sentimento de uma doença metafísica na ordem social que é a nossa.

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