sexta-feira, 24 de abril de 2015

O lugar vazio


Por um daqueles acasos em que a vida é fértil li, nestes dias, as Conferências Massey dadas por George Steiner, no Outono de 1974, na CBC Radio. Têm um título curioso – A Nostalgia do Absoluto – e, de certa forma, vêm ao encontro das minhas preocupações actuais. Refere Steiner que as grandes mitologias que têm sido criadas a partir do início do século XIX (entre elas as ideologias políticas) são uma espécie de teologia substituta. As exigências que essas ideologias impuseram aos seus crentes, mesmo quando declaradamente ateias, são  profundamente religiosas na estratégia e nos efeitos. São o sintoma de uma nostalgia pelo Absoluto, num tempo em que a questão de Deus se retirou para a intimidade das consciências e daí para lado nenhum.

Se, nos dias de hoje, tento compreender aquilo que se passou em 1974, com o 25 de Abril, as explicações políticas, sociais e económicas parecem-me absolutamente inócuas para descrever a experiência colectiva pela qual passámos. Os primeiros dias – esse tempo onde ainda não se sabia o que viria a ser Portugal – foram uma autêntica experiência religiosa, um exercício de comunhão e de purificação, que fazia a massa dos participantes aproximar-se de uma experiência do Absoluto. Estava-se perante um verdadeiro êxtase colectivo, um arroubo da consciência que transportava as pessoas para a porta do paraíso. Eu sei que a porta não se abriu, como aliás estava prognosticado. As várias racionalidades moviam-se na sombra para impor um caminho conforme aos seus interesses, mas a verdade é que aqueles primeiros dias, ou semanas, foram tempos em que os portugueses se sentiram transportados para outro lado que não a dura e cruel realidade de Portugal e do mundo.

Hoje em dia, contudo, as experiências ingénuas do Absoluto, como aquela que vivemos em 1974 e, noutros países, uns anos mais tarde, parecem não ser já possíveis na Europa. Também as ideologias – esses sistemas de teologia política – perderam qualquer auréola de Absoluto que um dia trouxeram consigo. Não apenas Deus está morto para os europeus, como as teologias substitutas (o marxismo, o liberalismo, o socialismo, a psicanálise, etc.) tornaram-se irrelevantes. Tudo se resume, nesta hora, a uma questão de contabilidade. O homem, todavia, não consegue matar em si o desejo de Absoluto. Ora a morte das teologias substitutas deu lugar ao vazio. Este lugar vazio é o grande perigo que nos ameaça, pois está aberto a que qualquer coisa, provavelmente tenebrosa, venha para o preencher.

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