sexta-feira, 17 de abril de 2015

Verdade e dignidade

Egon Schiele - A verdade revelada (1913)

De todo o lado nos dizem que deveríamos abandonar a «pesquisa pura», desmantelar aquilo a que chamam o calabouço académico, e pôr o cérebro cartesiano a pastar enquanto o instinto se recreia. Cientistas, actualmente muito em voga, dizem-nos que a preocupação ocidental com a verdade é uma verdadeira doença. (Georges Steiner, Nostalgia do Absoluto,  pp. 78/79)

Georges Steiner, contrariamente aos que vêem na preocupação ocidental com a verdade uma patologia, crê que a dignidade maior da nossa espécie reside em perseguir a verdade abnegadamente. Mas Steiner equivoca-se. Não é que a perseguição da verdade seja uma doença. Não o é, pelo menos do ponto de vista médico. Pode ser uma paixão, como outras paixões que movem o homem na sua vida, como a paixão erótica, a paixão pelo dinheiro ou a peixão pela glória. O equívoco de Steiner está em ver a procura da verdade como a maior das dignidades que cabem à nossa espécie. A maior dignidade que cabe à nossa espécie está naquilo que ela faz ou não com essa poderoso dispositivo que é a verdade. A verdade é sempre a revelação de uma determinada estrutura das coisas ou dos homens, revelação que confere poder e abre a possibilidade da dominação. A minha dignidade, ou a da espécie, nasce não da verdade que revelei mas dos meus actos com essa verdade. Sirvo-me dela para oprimir os outros ou para que eu e os outros nos tornemos mais livres e, por isso, mais dignos? A verdade, em si e por si, é neutra. Cabe à espécie humana decidir o que fazer com ela. E nessa escolha joga-se a sua dignidade.

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