terça-feira, 7 de julho de 2015

O que está em jogo no caso grego?

Pablo Picasso - Minotauro y yegua muerta delante de una gruta y niña con velo (1936)

Por que motivo deve haver um acordo generoso entre os credores e a Grécia? Por que motivo é muito provável que não haja acordo nenhum? Para responder a estas duas questões precisamos de compreender a natureza do problema grego. Aparentemente, o problema grego é financeiro, a enorme dívida e a necessidade urgentíssima de dinheiro para o dia-a-dia. Isto é só a aparência do problema. O verdadeiro problema grego é político e tem duas vertentes. Uma vertente política interna e outra externa.

Internamente, o que se passa, neste momento, é que as instituições políticas gregas são muito frágeis. Dezenas de anos de corrupção, ausência de uma máquina fiscal a funcionar, o uso e o abuso do Estado e dos bens públicos de forma descontrolada. Este Estado viveu, um pouco como o português, do excesso de dinheiros europeus. O problema é que as actuais políticas financeiras da União Europeia não apenas ameaçam o antigo funcionamento parasitário do Estado grego, como ameaçam a própria existência de um Estado a funcionar. Elas estão a potenciar o aparecimento de um território caótico, onde o Estado de direito se torne uma miragem, ou então uma guerra civil, o que é a mesma coisa. O primeiro problema grego é político. Está a ser tratado com se fosse financeiro. Não o é. O problema financeiro é, em larga medida, o resultado do problema político. Por que razão os parceiros europeus não percebem isto? Já lá vamos.

Externamente, a Grécia é um lugar muito, mas mesmo muito sensível. Situada num vespeiro, os Balcãs ou a Península Balcânica, a Grécia está próxima, demasiado próxima, do mundo muçulmano, tanto da Turquia como do mundo mediterrânico. Para tornar este lugar mais explosivo é preciso perceber que os ventos, digamos assim, da Ucrânia chegam à Grécia muito rapidamente. Para não falar, da comunhão espiritual entre gregos e russos, devido à Igreja Ortodoxa. A Grécia está num local para onde parecem convergir muitos dos problemas que preocupam o Ocidente. Imaginemos que a Grécia entra em convulsão. Que ela se torna um Estado pária, com as instituições políticas desagregadas. O que vai acontecer à Europa? Já imaginou? As políticas da União Europeia, desde que a crise foi declarada, já derrubaram quatro governos. Têm tentado derrubar, desesperadamente, o quinto. Este com mais fervor. Por que motivo? Já lá vamos.

Contra as pretensões do actual governo grego surgem dois argumentos. Um, de matriz popular mas posto a correr pelos políticos europeus, é o argumento moral: os gregos são uns malandros, não querem trabalhar, só querem viver à custa dos outros. Um segundo argumento está ligado à tentativa de impor uma visão do Estado mínimo, da destruição das estruturas do Estado social e de empobrecimento da população pobre e da classe média (os outros nunca são afectados, pois o dinheiro já voou há muito). É o argumento ideológico, o argumento que tenta impor uma visão da sociedade como se fosse a única possível.

Tudo isto, porém, são aparências. O que está em jogo, por parte dos parceiros europeus, é uma questão política pura e dura. O que está em jogo é a defesa de uma ideologia, claro, mas também dos poderes dos vários governantes europeus. Uns, na Alemanha e nos que ainda não caíram nas dificuldades do Sul, sabem que a ajuda à Grécia, a resolução de um problema complexo, lhes pode fazer perder o poder nos respectivos países. Outros, como em Portugal e em Espanha, sabem que resolver o problema grego mostra a natureza absolutamente injusta das suas políticas internas, da sua subserviência à Alemanha, e lhes trará pesadas derrotas eleitorais.

O que nós estamos a assistir não é a um problema financeiro, mas a um problema político. O governo grego tenta tirar partido da sua situação geopolítica, para resolver aquilo que foi criado pelos PSD (ND) e PS (PASOK) lá do sítio com a cumplicidade da União Europeia. Os parceiros europeus tentam desesperadamente que o Partido Popular Europeu não seja varrido dos governos onde está. A questão ideológica e o poder nos vários países são os únicos motivos que fundamentam a posição da União Europeia perante a Grécia. Não é a questão do dinheiro (todos sabem que os gregos assim ou assado nunca pagarão a dívida) nem a questão moral. 

É o poder, o santo poder em cada um dos países que está em jogo. E é este poder que, travestido de moralidade financeira, está a jogar o mais perigoso dos jogos: lançar a Grécia no caos. O que significa lançar os Balcãs na confusão e daí para a frente toda a Europa se pode incendiar. Portanto, cada vez que se fala da situação financeira da Grécia está-se a falar de outra coisa. Está-se a falar de política, de ganhar eleições, de não perder o poder. É por tudo isto que deve haver um generoso acordo com os gregos (a paz na Europa vale muitas dívidas gregas). Mas é provável que não haja acordo, pois o actor político persegue em primeiro lugar o seu poder pessoal, assegurar a sua eleição nacional, e não o bem comum. 

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