segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Pagar para trabalhar

Francis Bacon - Head (1956)

Eu não gosto de pagar salários. Pago o mínimo que puder. (Patrick Drahi, presidente da Altice, a proprietária da PT Portugal)

As palavras do actual dono da PT, sobre o desprazer que sente em pagar salários, têm o condão de revelar a natureza da realidade em que vivemos. A racionalidade de quem paga salários é pagar o mínimo possível. O ideal - aqui descobrimos que o senhor Drahi ainda não pensou suficientemente bem - seria mesmo que as coisas se fizessem de outra maneira. Não pense o leitor que eu vou aqui falar da escravatura. A escravatura é uma enorme chatice, pois os escravos têm de ser alimentados e, entre senhor e escravo, ainda se estabelece uma certa ligação de dependência que pode perturbar, para além da digestão, o sentido estético do senhor. Depois há aquela dialéctica do senhor e do escravo, sobre a qual escreveu Hegel, um filósofo alemão. E se foi um alemão que escreveu aquilo alguma verdade lá há-de haver. O melhor é não haver lugar para dialécticas com escravos a tornarem-se senhores ou vice-versa.

O ideal mesmo seria que os trabalhadores por conta de outrem (esta expressão é toda uma visão do mundo), em vez de receberam salários, pagassem para ter o privilégio de trabalhar para os distintíssimos empreendedores e observar, in loco, a sua criatividade, a sua capacidade de iniciativa, o seu elevado padrão estético. Assim, tudo seria muito mais rentável para as empresas. Na folha dos custos de produção deixaria de haver esse perturbador de digestões e sentimentos estéticos que dá pelo nome de salário. As empresas encontravam, agora que os bancos não gostam de financiar os empreendedores geniais que há por aí, uma nova fonte de receita. Além do mais, isto seria muito benéfico para o trabalhador. Como sabemos, a palavra salário deriva do vocábulo latino salarĭu que significa soldo para comprar sal. Sem o soldo (antes, com um soldo negativo) para comprar sal, o trabalhador - vamos lá, o colaborador - não poderia salgar a comida, o que faz muito mal ao coração. Uma medida destas não só ajuda as empresas a crescer como protege a saúde cardiovascular da população.

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