terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

A língua e a ortografia

Javier Rodríguez Quesada - Degradación I

Com efeito, toda a degradação individual ou nacional é imediatamente anunciada por uma degradação rigorosamente proporcional na linguagem. (Joseph de Maistre)

Perante o acordo ortográfico de 1990, bem como diante da reforma ortográfica de 1911, pergunto-me, muitas vezes, sobre o que havia, na antiga ortografia, que causasse tamanha repulsa e tão grande furor reformista. Tanto em 1911 como em 1990 há uma simplificação da forma de escrever o português. Estas simplificações, todavia, não são mais do que meras degradações da língua e da linguagem. O grande inimigo dos simplificadores ortográficos é o passado, a sua espessura, as camadas sedimentares que se foram depositando nos vocábulos. A destruição - isto é, a simplificação - volta-se contra a presença visível da antiguidade clássica na língua. Essa presença torna-se visível - é preciso não esquecer que uma língua não tem apenas uma componente sonora, tem também uma componente gráfica - nas consoantes mudas ou que se encontram num processo de emudecimento. São elas que, na sua aparente inutilidade, lembram ao utilizador da língua as suas raízes ancestrais, a sua ligação com um passado que nos constituiu e nos instituiu. Rasurar a visibilidade do grego e do latim no português é como rasgar as fotografias dos nossos avós, apenas porque a morte os emudeceu. Esta rasura, porém, não é apenas a degradação da língua e da linguagem. Ela é, seguindo a lição de Joseph de Maistre, o sinal de uma degradação ontológica do todo nacional. Onde podemos nós encontrar essa degradação? Na simplificação. Simplificar significa destruir a complexidade, tornar tudo mais fácil, menos exigente, menos rigoroso. O que as elites políticas aprovaram em 1911 (já preparado no século XIX) e em 1990 não foi outra senão a confissão da sua descrença na capacidade dos portugueses para lidar com a complexidade, com o exigente e com o difícil. Aprovaram um programa de degradação nacional, o qual cresceu por todo lado e a tudo colonizou.

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