segunda-feira, 18 de abril de 2016

Brasil, Brasil

Joan Abelló i Prat - Pão de Açúcar, Brasil (1986)

Aquilo a que se tem assistido no Brasil (ler com proveito aqui e aqui) levanta, mais uma vez, o doloroso problema da viabilidade da democracia política em países onde a consciência cívica está longe de estar consolidada. A consciência cívica, porém, não se consolida por obra e graça do divino Espírito Santo. É necessário que aqueles que possuem o reconhecimento formal de cidadãos estejam dispostos a duas coisas. A primeira é assumirem-se enquanto cidadãos. A segunda é reconhecerem o estatuto aos outros. Aquilo que se tem visto - visto a partir daqui e muito longe dos problemas - é que nem uma coisa nem outra estão adquiridas. 

Pode ser grave que a actual Presidente seja politicamente incompetente e que tenha infringido regras processuais (as quais são, segundo parece, sistematicamente infringidas pelos detentores dos vários poderes no Brasil). Pode ser muitíssimo grave que uma câmara de deputados, onde cerca de 60% têm problemas com a justiça, votem a destituição de uma pessoa que não os tem. Grave, porém, é a ruptura do pacto social que faz com que todos queiram viver numa única nação. O mais grave é o manifesto desaparecimento do valor da cidadania, enquanto reconhecimento de si mesmo como cidadão e do outro como cidadão que partilha o mesmo espaço político e o mesmo conjunto de direitos e de deveres. 

Sem este reconhecimento, sem este querer viver entre iguais perante a lei, a democracia é uma miragem. O Brasil corre o risco de ser mais um caso que torna evidente que a democracia está longe de ser um valor político universal. O Brasil traz uma experiência dolorosa para aqueles que acreditam que o crescimento das classes médias é fundamental para uma vida democrática. Este sururu político não nasceu da corrupção nem sequer da incompetência política do PT. Nasceu do crescimento das classes médias e de como isso enfureceu as elites sociais brasileiras.  Convém, ainda, não pensar que a Europa está muito longe daquilo a que assistimos no Brasil. Se a situação social, económica e política continuar a degradar-se, assistiremos por cá, com outras motivações, ao que estamos a assistir no Brasil. 

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