domingo, 5 de junho de 2016

Policiais, frustrações e actos falhados

Capa de Luís Alegre

Dois acontecimentos desligados entre si conduziram-me, hoje, à literatura policial. A notícia do Público, onde é referido o retorno, depois de ter acabado em 2008, da antiga colecção Vampiro. O outro evento é a leitura de A Mentalidade Anticapitalista, de Ludwig von Mises, uma das figuras de referência do pensamento liberal, tomado na sua forma mais radicalizada, digamos assim. Quando era novo, lia histórias policiais, as quais me davam bastante prazer. Não comecei pela colecção Vampiro, mas pela leitura das aventuras de Sherlock Holmes, de Conan Doyle. Depois, fui descobrindo Agatha Christie, Erle Stanley Gardner e Georges Simenon, talvez aquele de que mais gosto. Um pouco mais tarde li Dashiel Hammett e Raymond Chandler. Para além do prazer da leitura, havia uma coisa que me fascinava, as capas da colecção Vampiro. Vale a pena clicar no link do Público e ver algumas dessas capas.

Comecei a ler livros policiais muito antes de ter qualquer inclinação política e, por acaso, quem me abriu o caminho para esse tipo de literatura foi alguém que nunca foi de esquerda. Pelo contrário. Ao ler, agora, Ludwig von Mises descubro que afinal este meu gosto era o prenúncio do meu falhanço como capitalista. Veja-se a fina - finíssima, diga-se - análise de Mises sobre o leitor de romances policiais: "Ora, esse leitor é o homem frustrado que não atingiu a posição para a qual sua ambição o impelia. Como já dissemos, para consolar-se ele culpa a injustiça do sistema capitalista." Os romances policiais seriam, na opinião de Mises, um ajuste de contas contra os capitalistas vitoriosos, contra os grandes vencedores do mercado. Portanto, a leitura deste tipo de romances é uma forma compensatória dos frustrados contra os melhores, aqueles que o mercado consagra como os melhores. A indigência chega aqui. Mises não se interroga, por exemplo, sobre o prazer que o leitor pode ter na descoberta de quem, por egoísmo, infringe os direitos básicos dos outros e põe em causa o sistema de valores morais em que a sociedade assenta. Isso desfazia-lhe a sua sociologice literária. Mas o que Mises não vê - na pobreza panfletária da sua análise - é a analogia que ele, sem dar por isso, estabelece entre o criminoso e o capitalista vitorioso. É o que se chama um acto falhado. E todos sabemos o que, para outro austríaco famoso, Sigmund Freud, significa um acto falhado. Talvez um dia destes volte a ler um romance policial.

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