sábado, 2 de julho de 2016

Em louvor dos empatas

Cândido Portinari - Futebol (1935)

A minha crónica mensal no jornal A Barca.

Escrevo a seguir ao glorioso empate entre a selecção portuguesa e a selecção húngara. Não sei, por falta de dotes proféticos, quando a edição de A Barca chegar aos leitores, qual o destino dos portugueses no europeu de futebol. Seja o que for, quero louvar a virtude dos empatas. Portanto, não vou meditar sobre a glória de atirar microfones para os lagos e a correlação desses actos com a liberdade de imprensa ou a virtude moral dos atiradores de microfones. Quero mesmo falar dos empatas. Empatar não é uma coisa assim tão deprimente. Quem empata não ganha mas também não perde.

Recordo um episódio do distante ano de 1982. O Borges, um restaurante e café mesmo por baixo da casa do dr. Mário Soares, estava cheio de estudantes, gente das várias faculdades da cidade universitária, em Lisboa. Entre imperiais e tremoços, o pessoal assistia a um Brasil – Itália para o campeonato do mundo disputado, salvo erro, em Espanha. Como era habitual e na ausência de Portugal, quase toda a gente torcia pelo Brasil. Então as raparigas, talvez pela influência da música brasileira, eram fanáticas. Eu, que nunca fui pró-Brasil, e outro colega de filosofia (éramos só dois pró-Itália ou anti-Brasil) tivemos o grato prazer de ver Paolo Rossi marcar três golos e mandar a super selecção brasileira para casa.

O que tem isso a ver com os empatas, se os italianos ganharam ao Brasil? Tem e muito. Antes de falar nisso, recordo ainda outro episódio. Um dos mais reputados jornalistas desportivos da altura, antes do campeonato do mundo, prognosticou na RTP um destino negríssimo para a selecção italiana. A fase de grupos quase confirmava a profecia. A Itália calhara num grupo fácil com a Polónia, o Peru e os Camarões. Apurou-se para a segunda fase com três empates e muita, muita sorte. Uns empatas, dir-se-ia. Conclusão da história. A Itália não só despachou o Brasil e a Argentina, como foi campeã do mundo ao ganhar, na final, à Alemanha. Não digamos mal, mesmo que sejamos eliminados, dos nossos empatas do futebol, nós que somos, na verdade e na generalidade dos casos, um povo de empatas. Como se viu em 1982, dos empatas também reza a História.

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