sábado, 6 de agosto de 2016

O silêncio em Auschwitz

A minha crónica no Jornal Torrejano de 2016/08/05.

Nesta última crónica antes de férias, podia falar das sanções europeias a Portugal, que não houve, do terrorismo que continua a haver ou, como entrámos silly season, de um tema estival que estivesse à mão. Escolho, todavia, falar do silêncio. Do silêncio do Papa Francisco na sua visita ao antigo campo de concentração de Auschwitz-Birkenau. O que significa o silêncio de um Papa no reino do terror nazi? Para muitos de nós, impregnados pela cultura moderna que hipervaloriza a acção em detrimento da contemplação, o gesto do Papa não é muito diferente dos minutos de silêncio que se guardam antes dos jogos, quando alguém importante do mundo do futebol morre. Um gesto simbólico, onde o símbolo, destituído do seu sentido profundo, é apenas entendido como mera homenagem dos vivos a quem morreu.

O silêncio do Papa em Auschwitz, porém, não é comemorativo nem rememorativo. Não é sequer uma homenagem. O silêncio do Papa é, antes de mais, a confissão da perplexidade perante o mysterium iniquitatis (mistério do mal), perante o horror que os homens – crentes, agnósticos e ateus – fazem a outros homens – também eles crentes, agnósticos e ateus. Na algazarra em que se transformou o mundo, na balbúrdia que a acção desenfreada lança sobre a Terra, é necessário que se faça silêncio para que o horror possa ser visto na sua própria natureza, para que os gritos dos que sofrem às mãos de outros homens possam ser escutados. As palavras e a as acções são sempre um analgésico que nos permite não ter de enfrentar o horrível que habita nos horrores que cometemos.

Auschwitz-Birkenau não é apenas o símbolo do terror nazi. É o símbolo de todo e qualquer terror, individual ou colectivo. É uma manifestação, e que manifestação, desse mysterium iniquitatis que assola a espécie humana, encontrando sempre novas razões para espalhar a dor sobre os homens. Na verdade, a única possibilidade perante aquilo que ali se passou – perante aquilo que se passa no mundo – é o silêncio. O silêncio de um velho Papa naquele lugar não é um gesto político, nem um condenação judicial, nem um acto ritual. É apenas a criação de um espaço de escuta. Escuta de quem? Escuta de todos aqueles que, antes de expirar e com voz forte, poderiam dizer: “Eloí, Eloí, lamá sabactâni, que significa “Meu Deus, Meu Deus! Por que me abandonaste?” (Mateus 27:46).

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