quinta-feira, 22 de setembro de 2016

A doença infantil


A minha crónica no Jornal Torrejano.

Quem faz política, antes de abrir a boca, deve medir o impacto que as futuras afirmações poderão ter. A arte da prudência é essencial. Era tempo do Bloco de Esquerda (BE) meditar sobre o assunto. A trapalhada relativa ao novo imposto sobre património e o convite, endereçado por Mariana Mortágua, ao Partido Socialista, para este pensar se quer ser alternativa ao capitalismo (sic) são dois tiros no governo. Aquilo que a direita não tem conseguido fazer – abalar o executivo – está a esquerda, com inexcedível empenho, a fazê-lo, e, mais que todos, o BE. A direita exulta com a dádiva caída dos céus.

Grande parte das pessoas que votam à esquerda, onde me incluo, não querem aventuras nem experiências sociais. Não querem descobrir alternativas à economia de mercado. Sabemos todos, bem demais, onde conduzem essas experiências e essas alternativas. Quer que a sociedade funcione melhor, que seja mais justa, mas não possui qualquer interesse em abandonar o concerto dos países ocidentais que têm, no cerne do seu desenvolvimento, a referida economia de mercado. O BE e as outras forças de esquerda devem ter isso em consideração. E um governo, em democracia, não governa para a sua facção. Governa para o todo nacional.

Por outro lado, o BE – mas também a restante esquerda – deve ter a sensatez suficiente para compreender o que poderá acontecer aos estratos sociais que suportam a esquerda, caso o governo colapse e a direita volte ao poder. Não vai ser bonito ver o revanchismo social da direita. E isso só não acontecerá se o governo suportado pela esquerda conseguir convencer os eleitores que possui as melhores soluções para o país. E dentro das soluções virtuosas, para a grande maioria do eleitorado, não se encontra qualquer aventura anticapitalista nem qualquer confronto com a União Europeia, da qual dependemos para não voltarmos a ser reduzidos à miséria mais extrema.

O BE tem todo o direito de querer ser convertido à dimensão da extinta UDP ou do velho PSR. Tem todo o direito de continuar a insistir na doença infantil do comunismo, para citar Lenine. Mas se o BE quer abandonar a fase da adolescência e ser uma organização política com contributos positivos para o país e para as pessoas que representa, como por vezes parece, o melhor é compreender a realidade em que vivemos, as nossas dependências e fragilidades, e adequar o discurso e a acção para, de forma reformista, contribuir para uma sociedade mais justa, mas também mais eficiente do ponto de vista económico e social. Fundamentalmente, deve aprender a moderação na acção e a prudência de pensar mil vezes antes de falar.

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