A educação pública é um verdadeiro drama. Esta ideia, uma ideia em mim
já velha, foi reforçada durante o dia de
hoje ao assistir a um encontro de professores, Os Dias da Escola, organizado
pela Câmara Municipal de Torres Novas, em colaboração com os agrupamentos
locais e o Centro de Formação A23. Universitários, um responsável do Ministério
da Educação e um professor do ensino não superior, mas com grande visibilidade
pública, derramaram – não sem interesse – sobre a escola pública e alguns dos
males que a atormentam.
Este drama sem fim nasce de uma contradição que, a partir de determinada
fase do desenvolvimento dos sistemas públicos de educação, emergiu. Essa
contradição reside na não coincidência da racionalidade pedagógica, que deve comandar a educação, e da
racionalidade política, que deve comandar os Estados. Esta contradição não é
originária. No início, a escola pública dirigia-se à formação de um elite
burocrática de servidores do Estado. A escola tem assim uma origem burocrática e a
mítica sala de aula – o santo dos santos de tantos professores que se indignam
com a burocracia – era o lugar por excelência dessa burocracia, da organização
racional. Toda a organização da sala de aula e das instituições escolares tinha
uma finalidade: formar uma elite burocrática, que o Estado iria empregar.
O problema nasce quando a
escola pública se massifica. Quando deixa de ser uma escola profissional para
elites muito reduzidas e pretende dar formação a todos os cidadãos. Os métodos
de ensino adaptados à formação de elites colapsam com esta
massificação. É aqui que emerge a contradição: os métodos pedagógicos para um
ensino geral não se adaptam à eficiência e eficácia que o Estado exige das suas
instituições. Este drama manifesta-se no controlo pela burocracia do papel sentido pelos professores. Quando há um conflito – um conflito surdo, apesar do grande ruído
– entre duas racionalidades, a norma é que a racionalidade do poder se sobreponha
à outra racionalidade, sempre mais frágil. Toda a malfadada burocratização da função docente e do trabalho
nas escolas está ligado à racionalidade política, a qual é inerente, goste-se ou não, à escola pública. Não é um excrescência. É a sua natureza
Os professores – e eu sou professor – querem o melhor de dois mundos. Querem a protecção do Estado, enquanto
seus servidores, e a liberdade de aplicarem uma lógica – a lógica inerente à
acção pedagógica – que entra em contradição com a racionalidade política do
Estado. Até hoje não foi possível compatibilizar as duas lógicas. A lógica
política – através do controlo da função docente – levou sempre a
melhor. Por outro lado, o triunfo na sociedade de uma lógica pedagógica sobre a lógica político-burocrática talvez não agradasse muito aos professores. Em primeiro lugar, porque iria
destruir a sua querida sala de aula, a qual é o centro nevrálgico de toda
burocracia escolar (ver aqui).
Em segundo lugar, o triunfo de uma lógica pedagógica sem o controlo da
burocracia estatal implicaria, muito provavelmente, desligar a escola do
Estado. Implicaria a morte da escola pública.
Os dias da escola são, pois, os dias deste drama, do confronto, porventura
insanável, entre duas lógicas. Os dias
da escola são também os dias de convivência com um monstro. E o monstro é a escola pública, que foi transformada de príncipe em sapo. Foi
transformada, ao longo do século XX, de instituição feita para formar uma elite político-burocrática numa escola com a função de formar
todos os cidadãos, queiram eles ou não. Com isto não estou a advogar o fim da
relação entre o Estado e a Educação. Estou a tentar colocar as coisas nos seus
devidos lugares. E só a partir da verdade poderemos pensar essa estranha e
ambígua relação entre Estado e Educação, poderemos pensar o conceito de escola
pública. Se não, nós professores limitar-nos-emos a exigir sol na eira e chuva no nabal.
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