segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Descrições fenomenológicas 6. A fonte azul

Frantisek Kupka - Composição em azul (1925)

Duas buganvílias de brácteas cor de malva, de onde espiam pequenas flores brancas matizadas por um amarelo discreto, ladeiam o pequeno lago, crescem em direcção à fonte, sem a ordem trazida pela mão do jardineiro. Vivem em equilíbrio precário, engavinhando-se no murete que retém a água, deixando-se ondular, se sopra o vento, e recolhem-se na vigilância protectora de dois carvalhos, cujas folhas, marcadas já por um acobreado irremediável, anunciam o Outono decidido no seu caminho para o frio dos dias de Inverno. Estas árvores formam um pálio sobre a fonte, como se esta fosse um andor revestido de uma sombra divina. Um pouco mais à frente, divisa-se o descuido de ervas silvestres, que disputam ente si o espaço do velho jardim. Ao longe, a floresta cresce imperturbada pela decadência do antigo paraíso. Um oceano de carvalhos antigos, pontuado, aqui e ali, por clareiras medianas, onde podemos ver, entre a azáfama de enormes formigas, a decomposição das folhas, a sua lenta metamorfose em húmus, que há-de vivificar a terra, num ciclo infinito de vida e morte. A luz fria do dia tinge as árvores de um verde pálido e cai azul na água do lago. Um pássaro, de penas castanhas, talvez um pardal, poisa e bebe, com rápidos movimentos do pescoço, a água fria e parada da fonte. Um ruído ao longe, a ave levanta voo e perde-se no céu azul reflectido no anil da fonte. 

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