sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Elena Ferrante

A minha crónica no Jornal Torrejano.

Hoje deixo o comentário político de lado. Falo de Elena Ferrante. Não por causa da polémica em torno da revelação da sua identidade. Até aqui não se sabia quem era a pessoa que escrevia os livros assinados com aquele nome. Surgiu agora uma teoria, que se pretende fundamentada, sobre a identidade autoral. O importante, porém, são os seus livros e não esta historieta. Refiro-me à tetralogia napolitana (1. A Amiga Genial; 2. História do Novo Nome; 3. História de Quem Vai e de Quem fica; 4. A História da Menina Perdida). Estes quatro volumes trazem-nos desde o fim da segunda guerra mundial até aos tempos recentes, a partir da história de duas amigas que cresceram num bairro pobre e  periférico de Nápoles.

Pessoas da minha geração – que nasceram já bem depois do fim da segunda guerra mundial – encontram ainda muitos pontos de contacto entre as histórias de vida narradas e as situações descritas nos livros e a realidade portuguesa. Falando de italianos, a autora fala da Europa do sul. É verdade que não temos fenómenos como a Camorra, nem o terrorismo em Portugal, com as FP 25 de Abril, alcançou os contornos do terrorismo italiano, como o praticado pelas Brigadas Vermelhas ou por organizações fascistas. A vida social, porém, tem muitos pontos em comum com a nossa. A pobreza dos bairros periféricos, mas também os amores e desamores daquelas gerações, a ascensão social e a queda, até o domínio que as elites – mesmo as de esquerda – impõem sobre os que vêm debaixo. Tudo isto, bem como certos ambientes descritos, poderia passar-se em Portugal.

Recomendo vivamente a leitura destas quatro obras. Não apenas pelo escrita brilhante da autora, mas porque elas permitem-nos reflectir sobre nós próprios, sobre a nossa sociedade. Com uma vantagem. Como os romances estão situados noutro lugar, sentimos menos a necessidade de tomar uma posição imediata sobre o que eles nos dizem. A sua leitura, para além do grande prazer que proporciona (o leitor sente-se obrigado a não parar) faz-nos pensar, cria um distanciamento que nos permite meditar sobre o que lemos e, depois, descobrir que, em muitos aspectos, também somos assim. Para o bem e para o mal. Eu sei que todos temos mais que fazer, mas ler a grande literatura (e não o lixo que se publica todos os dias) não é apenas uma questão de cultura. É uma questão, volto a referir, de prazer. E não há felicidade sem os grandes e os pequenos prazeres. Elena Ferrante tem o poder, através do romance, de gerar um prazer enorme nos seus leitores.

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