quarta-feira, 19 de outubro de 2016

O preço da imaturidade


Estamos em período de discussão do orçamento de Estado. A discussão que grassa por aí é, na verdade, irrelevante. É um problema de mercearia. A mercearia, claro, tem a sua importância, mas a questão central está toda na nossa ligação à Europa. E é esta ligação que merece ser meditada. Não por ela mesma, mas pela forma como a fizemos. Tanto a adesão à então CEE como a posterior entrada no Euro são marcadas por um espírito infantil. Tanto o cidadão comum como as elites políticas confundiram uma associação de interesses egoístas com uma organização de solidariedade e de entreajuda.

Esta confusão pueril pode-se explicar pelo grau de imaturidade da democracia portuguesa. Esta nasceu num ambiente de ilusões, de grande idealismo, onde a ideia de interesse próprio fora recalcada. Isso não nos preparou para entrar num espaço onde se geriam e gerem conflitos com muitos séculos de história, os quais giram em torno de interesses particulares e não de ideias, ideais culturais e espírito de boa vontade. Foi esta imaturidade política que não permitiu discernir os perigos que a desastrada gestão dos aparentes benefícios da entrada no clube europeu continha. Bastou que a crise do subprime de 2008 se repercutisse nas crises das dívidas soberanas, para que se percebesse a realidade da União Europeia, para que a visão ingénua que havia por cá se desfizesse em meia dúzia de meses.

Com isto, não advogo a saída da União Europeia. Sublinho uma outra coisa. Esta experiência pode ser um momento para compreender a realidade. A UE é um clube de interesses conflituantes, onde o essencial é as relações de força e não os ideais europeus. Estamos a pagar duramente o equívoco, e cada orçamento de Estado é, com mais tonalidade social ou mais matiz liberal, um exercício de punição. Punição de quê? Da nossa imaturidade, da confusão dos desejos com a realidade. É também uma oportunidade de percebermos que antes de contarmos com os nossos supostos parceiros temos de contar com as nossas forças, saber quais são e até onde podemos ir. É uma humilhação um povo com nove séculos passar por esta punição? É, mas esse é o preço da infantilidade (a expressão bons alunos, diz tudo) com que nos relacionámos com o conjunto de velhas hienas que construíram a UE para se vigiarem entre si. Entre hienas há que ser hiena ou, pelo menos, não confundir uma hiena com o cão amigo que nos protege.

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