terça-feira, 1 de novembro de 2016

Uma praga

A minha crónica em A Barca.

Os telejornais tornaram-se uma praga sem fim. O caso da fuga de um presumível homicida veio, mais uma vez, mostrar que há um conflito entre mercado e informação. O mercado televisivo, medido pela publicidade, exige espectadores. O problema que se coloca é então como prender as pessoas à televisão. A estratégia é simplória mas parece dar resultado, pois continua a ser aplicada e ampliada. Transforma-se a informação em narrativa, na qual se procura um enredo que conduza a um desenlace e mantenha os espectadores excitados. Para isso, utilizam-se enormes equipas de repórteres, criam-se personagens avulsas – os populares que são continuamente entrevistados – e peripécias para a animar a história.

O que se passa com os crimes é apenas um exemplo da maneira como a informação televisiva é trabalhada actualmente. Um pequeno conflito numa escola em torno da falta de professores ou de funcionários segue o mesmo esquema, tal como o orçamento de Estado, uma eleição política, um atropelamento, uma vitória desportiva, um desastre aéreo, etc., etc., num processo de nivelamento narrativo de tudo. O filósofo François Lyotard fala, na obra La Condition Postmoderne (1979), na morte das grandes narrativas (religiosas ou ideológicas). Esta morte é uma janela de oportunidade para as pequenas narrativas, nas quais qualquer assunto, importante ou não, se torna ocasião para contar histórias, para ficcionar, no sentido negativo do termo, e para dar aos consumidores uns momentos excitantes.

A excitação narrativa é o contrário da informação. Esta visa dar um conhecimento dos factos às pessoas e não entretê-las e excitá-las. Apela à sobriedade para que se possa tomar posição informada e racional. O que assistimos nos longos telejornais é à destruição desta antiga função. A objectividade jornalística foi substituída pelo confronto de múltiplas subjectividades populares que debitam trivialidades e redundâncias, transformando o jornalista num mediador de inanidades. Aliás, o trivial e o redundante são a imagem de marca desta nova informação. O preço desta estratégia comunicacional, rendida ao mercado, é paradoxal. Por um lado, vive da excitação contínua do espectador. Por outro, gera neste apatia por tudo o que é essencial. A informação transformou-se num factor de alienação contínua. Uma praga.

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