domingo, 1 de janeiro de 2017

Tragédias e farsas

André Louis Derain - La comédie Italienne

Começamos o ano com um novo atentado, mais uma vez na Turquia. Este atentado simboliza a desordem geral em que o mundo mergulhou. No meio deste caos está a emergir uma estranha aliança entre o futuro presidente dos EUA, Donald Trump, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin. Esta aliança é estranha não pelos episódios rocambolescos da hipotética envolvência dos russos na eleição americana. A estranheza reside na nostalgia que a parece suportar, uma espécie de saudade dos tempos em que as duas superpotências, EUA e URSS, apesar da inimizade ideológica, asseguravam uma ordem geopolítica universal.

Desaparecida a motivação ideológica e tendo em conta o pandemónio que alastra mundo fora, abriu-se uma janela de oportunidade para uma cooperação entre russos e americanos para pôr a aldeia global de novo em ordem. Os sinais indicam ser esse o pensamento tanto de Trump como de Putin. Voltar a dividir o mundo em esferas de influência e deixar que cada uma das potências ponha a sua esfera em ordem. Estamos a assistir à aplicação da doutrina, ainda que de forma unilateral, na Síria. Poderá a história repetir-se?

Basta observar dois factos para perceber que este desiderato pode não passar de um devaneio. Em primeiro lugar, a China de 2017 não é bem a China de 1990. A potência asiática – por maior que isso desgoste a Donald Trump – é decisiva no contexto global. A divisão do mundo em esferas de influência terá de contar sempre com os chineses, cujos interesses não se confundem nem com os dos americanos nem com os dos russos. Em segundo lugar, o Islão – nas suas diversas encarnações – tornou-se um dos jogadores fundamentais da política mundial, coisa que estava longe de acontecer no tempo em que EUA e URSS pastoreavam os respectivos rebanhos com mão de ferro.

Mais uma vez, voltamos à velha ideia de Karl Marx, uma ampliação correctiva da mesma ideia presente em Hegel. Na história os grande acontecimentos ocorrem sempre duas vezes. A primeira como tragédia, a segunda como farsa. Talvez nunca como agora haja motivo para dar razão a Karl Marx. Tendo em conta o elevado número de farsantes na cena política mundial, aquilo de que nos aproximamos bem pode ser uma farsa desmedida. O grande problema que se coloca é aonde esta farsa pode conduzir. Tornar o mundo o palco onde se desenrola uma farsa pode conduzir a que esta, tendo em conta o burlesco dos farsantes, seja a porta para uma nova tragédia.

Um bom 2017.

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