domingo, 5 de março de 2017

Acédia

Pieter Bruegel the elder - Acedia

Talvez tenha sido Evagro de Ponto (século IV depois de Cristo) quem colocou a acédia na lista dos pecados mortais. Faria parte de um conjunto de oito males que podem atingir aquele que se dedica à vida espiritual. Posteriormente, esta lista foi reduzida a sete por Gregório Magno (século VI), tendo a acédia sido retirada e, porventura, fundida na preguiça. Esta conduta tida como viciosa compreendia a desatenção e o descuido relativamente a si mesmo e um desinteresse pelo mundo, o que conduziria ao não cumprimento dos deveres, fossem estes de ordem espiritual ou de ordem mundana.

A acédia é, mais do que a posterior preguiça, uma conduta viciosa, digamos assim, interessante. Se olharmos para os outros pecados capitais (gula, avareza, luxúria, ira, inveja e orgulho ou soberba) descobrimos que eles nascem de uma hipervalorização do ego, de um excesso de sentido com que este é investido. A acédia, pelo contrário, marca um desinteresse por si mesmo. Ela encontra-se numa experiência limite, na qual o mundo e a própria pessoa perderam o sentido. Pode-se sempre olhar para  a acédia como uma patologia do foro psicológico, tipo depressão. Isto significaria transformar um pecado numa doença do foro psicofisiológico, mas tanto a sua interpretação religiosa como a médica acabam por desviar o olhar da experiência que a acédia representa.

Ela pode ser pensada como um desinvestimento deliberado do indivíduo na tarefa de dar significação tanto ao mundo como a si mesmo. Esta interpretação acentua o carácter activo que estaria na origem da acédia. No entanto, a acédia também pode resultar de uma compreensão – súbita ou mediada por longa reflexão – da insignificância de si e do mundo, uma revelação de que nada tem, objectivamente, sentido e o sentido que se atribui às coisas e a si-mesmo não passa de uma presunção pessoal e/ou colectiva, mas sempre uma presunção. Esta revelação pode ser de tal modo assombrosa que o indivíduo se torna incapaz de levar a sério as tarefas de dar sentido a si e ao mundo e acreditar nesse sentido que ele atribui. Descoberta a grande ilusão, o indivíduo pode já não ter energia para investir naquilo que fica para além do sentido e da significação.

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