domingo, 9 de abril de 2017

A contra-cultura escolar

Juan Botas - School (1989)

O lamentável acontecimento ocorrido com finalistas do ensino secundário português num hotel em Espanha (ver aqui) é apenas o sintoma de um problema que é continuamente ocultado pelos responsáveis políticos da educação. E esse problema está, apesar da melhoria dos resultados obtidos por Portugal nos estudos internacionais sobre a educação, a afectar de forma sistemática o desempenho escolar dos alunos e, de forma indirecta, as expectativas legítimas de desenvolvimento que Portugal poderia ter. Esse problema está ligado à cultura escolar que muitos alunos, muitos mais do que deveria ser admissível, ostentam.

Essa cultura escolar é caracterizada pelo desprezo do saber – todas as áreas de estudo são consideradas uma grande seca – e, ao mesmo tempo, pelo desdém pelo esforço e pela superação de obstáculos. Chamemos-lhe uma contra-cultura escolar. O resultado destas atitudes é a indisciplina – geralmente, de baixa intensidade mas que boicota sistematicamente as aulas – e aprendizagens, quando existem, muito deficientes. A escola não é vista como lugar onde se aprende, mas onde se vai para conviver com os amigos, arranjar uns namorados ou namoradas, suportar uns professores menos simpáticos e triturar aqueles que não têm uma capacidade hiperbólica – repito, hiperbólica – para impor a autoridade.

Dito de outra maneira, para tentar ser o mais claro possível: o problema não está nos alunos que têm dificuldades em aprender. Está numa massa informe e de grandes dimensões que não quer aprender, isto é, que não quer adequar o seu comportamento às exigências que qualquer aprendizagem exige, sejam aprendizagens feitas por métodos mais tradicionais ou mais inovadores. Tentemos de novo ser claros: o problema principal não está nos métodos usados pelos professores. Está na atitude e na cultura dos alunos ou, melhor, na sua contra-cultura.

Os resultados são aprendizagens que não são feitas, comportamentos como os de Espanha ou a pandemia das praxes académicas daqueles que chegam ao ensino superior, onde o ídolo cultural da massa estudantil é Quim Barreiros (só isto diz muito sobre o problema). A consequência é tornar as escolas portuguesas num lugar estranho onde os professores querem ajudar milhares e milhares de alunos que não querem ser ajudados, que desprezam a escola e tudo o que ela implica. As escolas inventam e reinventam continuamente mil processos para auxiliar alunos que, pura e simplesmente, esperam que os professores os aprovem sem que eles tenham que fazer mais do que existir.

Esta contra-cultura do aluno português não é partilhada, felizmente, por todos. Há muitos alunos com uma atitude adequada e que se esforçam para superar as dificuldades e alcançar objectivos exigentes. Sejamos, porém e mais uma vez, claros: estes são uma minoria. Esta cultura adversa à aprendizagem, esta contra-cultura, tem dois suportes que a alimentam e protegem. Em primeiro lugar, as famílias. Muitas famílias ou não são capazes de educar os seus filhos ou não sabem quem têm em casa e fazem dos professores o bode expiatória dos insucessos dos rebentos. Em segundo lugar, o Ministério da Educação. Este e todos os outros que o antecederam. O Ministério da Educação é especialista em inventar reformas e contra-reformas, em tornar o trabalho de escolas e professores insuportável e, fundamentalmente, em desviar a atenção do problema central.

Para o Ministério da Educação – seja ele de que cor política for – o problema nunca é dos alunos, nem da cultura que trazem de casa e da rua ou do papel dos pais no sistema educativo. Para qualquer Ministério da Educação, os alunos querem aprender, os pais são muito empenhados, só que os professores são uns incompetentes e não ensinam. Logo, a única coisa a fazer é mais uma reforma do ensino, que massacre os professores, traga uns jogos florais para as escolas e, se for possível, dê mais poder aos pais dentro do sistema. Os responsáveis políticos nunca perceberam uma coisa. Para haver uma reforma do ensino é necessário que haja ensino, que os alunos estejam dispostos a aprender, que não tenham por objectivo boicotar as aulas ou, pura e simplesmente, deixar passar o tempo até que os professores, em desespero de causa, se sintam coagidos a passá-los. O problema está onde os políticos não querem mexer, na contra-cultura escolar que se instalou entre uma massa enorme de alunos portugueses.

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