sexta-feira, 21 de abril de 2017

Marcelo, Marcelo

A minha crónica no Jornal Torrejano.

A imagem das pessoas e o desejo que delas sentimos são regulados pelos mesmos mecanismos que regem os mercados onde se transaccionam os bens de consumo. Sempre que um produto é escasso o preço sobe. Quando existe em excesso, relativamente à procura, o preço desce. Aplicar esta estrutura de fixação do valor das mercadorias à imagem de uma pessoa – por exemplo, de um político – não é inadequado. É verdade que um político não é uma coisa, um bem transaccionável (ou pelo menos não deveria ser). No entanto, a chamada lei da oferta e da procura está assente não na mercadoria e no dinheiro, mas no desejo. Uma coisa torna-se valiosa porque é escassa para o desejo que ela ateia entre os seres humanos.

É aqui que o actual Presidente da República corre o maior dos riscos. Não é por, até aqui, ter suportado o governo de esquerda ou por, amanhã, deixar de o suportar e apoiar um governo de direita que ele corre riscos. Com Marcelo Rebelo de Sousa isso deixou de ser essencial. O perigo reside em começar a haver excesso de oferta de Marcelo. A sua imagem banaliza-se cada vez que ele surge sem que se vislumbre a necessidade da sua presença. Esta vulgarização da imagem presidencial está a degradá-la. Uma chacota contínua abate-se já sobre as suas múltiplas e inusitadas aparições. Não é aquela chacota raivosa que os adversários políticos faziam cair sobre Mário Soares ou Cavaco Silva. O escárnio não contém raiva mas um cada vez maior desprezo. Ora esta zombaria tem o poder de diminuir nos eleitores o desejo de escutar o Presidente.

Atrás da diminuição do desejo dos cidadãos vem o decréscimo da autoridade política. E um Presidente da República, no quadro constitucional português, precisa de uma clara e inequívoca autoridade política. Ele não é um adereço da República. É um jogador com uma legitimidade própria e com um papel central na regulação do sistema. Se a sua palavra e imagem se gastam nos assuntos mais corriqueiros ou afastados da função presidencial, isso acabará por desvalorizar a palavra política quando esta for necessária. Quem tem opinião sobre tudo, não tem opinião que mereça ser escutada. Quem está em todo o lado, acaba por tornar a sua presença uma irrelevância. E o país, com as dificuldades que enfrenta precisa de tudo menos de um Presidente irrelevante. O Presidente deveria saber que a máxima “nada em excesso” é um dos grandes princípios de sabedoria que os gregos da antiguidade nos legaram. Terá Marcelo Rebelo de Sousa tempo para a meditar?

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