quinta-feira, 17 de agosto de 2017

O especialista absoluto

Arpad Szenes - Niño con cometa (1935)

Devo a Carles Álvarez Garriga, no seu Prólogo a Classes de Literatura, de Julio Cortázar, o conhecimento da fórmula do especialista absoluto, cuja autoria pertence a Alfonso Reyes. Na verdade, é uma bela fórmula. Refiro-me à sua aparência estética. Ei-la: ∞/0. Ela dá-nos a ideia reguladora – ou o ideal, se preferirem – do especialista. O processo de especialização, um imperativo da busca da eficácia do conhecimento, intensifica-se em todas as áreas, incluindo as da Filosofia e da Literatura. Refiro-me às praxis universitárias, mas não só. Os especialistas sabem cada vez mais de cada vez menos. Se universitários, produzem uma montanha de informação sobre o mais ínfimo grão de areia.

O que significa então, neste contexto, a fórmula? Ela diz-nos que o ideal que regula toda a actividade de conhecimento é a de um saber infinito sobre absolutamente nada. Estamos longe do lamento husserliano sobre a crise do fundamento das ciências. Estamos perante a consumação, na área do saber, do niilismo anunciado por Nietzsche. O ideal que regula, hoje em dia, a actividade universitária aproxima-se de um saber infinito sobre coisa nenhuma. Se isso é pouco visível nas áreas das ciências da natureza, devido às aplicações técnicas que o conhecimento especializado proporciona, parece evidente nas áreas das humanidades, onde a Universidade é um dispositivo de produção de lixo cognitivo, lixo esse que exige uma grande dedicação, perseverança e capacidade de trabalho, diga-se.

A ironia  de ∞/0 visa tornar patente um problema que assombra a orientação do saber na modernidade. Esse problema é o da ruptura entre saber e sabedoria. O saber sobre um dado objecto de estudo acaba por afunilar a compreensão que se tem do mundo e do homem. Hoje em dia, possuir um conhecimento sólido, na ambiência universitária ou em qualquer outra, nada nos diz sobre a capacidade de compreender a realidade em que se vive ou quem se é. O homem moderno desenvolveu essa profunda capacidade de ter muito conhecimento sem, na verdade, deixar de ser uma espécie de adolescente retardado, sem ter qualquer sabedoria. Talvez fosse esse o destino do homem ocidental, descendente dos gregos, como não deixou de o registar Platão na palavra do sacerdote egípcio (Timeu, 22b): “Ó Sólon, Sólon, vós, Gregos, sois todos umas crianças; não há um grego que seja velho”.

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