sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Um teste à esquerda

Oskar Kokoschka - A Tempestade (1913)

Se a esquerda portuguesa julga que está a navegar num mar bonançoso, então o melhor é acordar e tentar perceber a realidade. As eleições alemãs correram-lhe muito mal. A hipotética, e bastante previsível, presença dos liberais no governo alemão pode vir a revelar-se um pesadelo para Portugal e para o governo que por cá esteja instalado no poder, seja ele qual for. Regras orçamentais mais drásticas e menor generosidade do Banco Central Europeu – tudo imposto pela Alemanha – podem dar origem a novas tempestades e tornarem-se uma oportunidade, inesperada, para fazer ruir a concertação à esquerda.

Outro perigo para a esquerda portuguesa vem das eleições autárquicas de domingo. O problema não está no facto de o PS poder conquistar câmaras ao PCP, embora isso não seja saudável para a coligação parlamentar. O que melhor poderia acontecer à esquerda seria uma vitória autárquica do PSD ou, pelo menos, um resultado não humilhante para a direcção de Passos Coelho. Ora, com o que se prevê, Passos Coelho – que se tornou uma espécie de seguro de vida da esquerda – tem os dias contados à frente do partido. Rui Rio, o provável sucessor, apresentar-se-á limpo das tropelias do tempo da troika, sem ressentimento que lhe turve o raciocínio e com uma aura de competente na conquista do poder e na gestão da coisa pública. Se vierem novos e mais tempestuosos ventos da Alemanha, a esquerda, perante um Rui Rio imaculado e uma Assunção Cristas triunfante, terá um enorme problema à sua espera.

Um problema e um teste. O teste passará pela resiliência do BE e, fundamentalmente, do PCP. Perante uma situação que exigirá um grande rigor orçamental, onde pode não haver espaço sequer para as actuais pequenas reposições e outro emblemas da esquerda, como se irão comportar os partidos à esquerda do PS? Falará mais alto o seu ADN ideológico ou terá essa esquerda a capacidade de encarar a realidade do país e de sacrificar as suas posições em nome da comunidade e dos interesses reais, e não ideológicos, dos seus eleitores? Mesmo uma situação negra como a desenhada não implicará, todavia, a saída da esquerda do poder. Essa saída dependerá dela, do talento dos seus dirigentes e, já agora, do grau de responsabilidade perante o destino dos seus eleitores. O retorno da direita ao poder não será uma brincadeira para uma parte significativa das pessoas. Pode estar a chegar o tempo da verdade.

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