terça-feira, 3 de abril de 2018

Descrições fenomenológicas 32. A Praça do Silêncio

Lucio Fontana, Concetto sapziale, Attese, 1959

Ao fundo, erguem-se as torres da catedral, crescem para o céu, fendem a névoa e a noite. No cimo de uma, a luz rasga a escuridão e deixa um sinal para os que esperam a agrura da aurora ou ainda sonham uma salvação. A chama dos candeeiros públicos deixa suspeitar o vazio silencioso que cobriu a praça. Sob as arcadas de um prédio antigo, o comércio dorme embalado pelo longínquo murmúrio da cidade. Ninguém passa por ali, como se o lugar fosse interdito e uma maldição caísse sobre o transeunte incauto. O cedro, a única árvore que se avista daqui, treme e inclina-se pelo peso do vento. Um anjo de bronze repousa hirto num pedestal de betão. As asas presas nas costas anunciam a sua condição. A cabeça inclina-se para a frente e o olhar fixa-se na terra. Ao lado, a poucos metros de distância, outro pedestal suporta o peso de um homem de bronze. Também ele inclina a cabeça e olha para o chão. Anjo e homem, despidos, exibem os sexos. A luz de um candeeiro reverbera naqueles corpos metálicos e deixa ver os braços decepados. O silêncio progride no vazio da praça. Um cão atravessa-a e deita-se junto ao pedestal do anjo. Espera.

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