Fritz von Unruh (1895-1970)
pertencia a uma família da alta nobreza prussiana, ligada ao mundo militar.
Filho de um general, também ele enveredou pela carreira das armas, que
abandonou em 1911, para se dedicar à literatura, mas à qual regressou em 1914
com o desencadear da primeira grande guerra. O romance O Caminho do
Sacrifício começa por ser uma obra encomendada pela hierarquia militar
alemã, para exaltar o espírito heróico alemão numa crónica da batalha de
Verdun, onde o autor participa. O romance tem duas versões, uma primeira, ainda
no espírito da exaltação patriótica, e uma segunda, a definitiva publicada em
1919, portanto, já depois da guerra acabar. Esta versão é o resultado da
evolução do autor, a partir de 1916, em direcção ao pacifismo, influenciado
pelo espectáculo de uma guerra onde o combatente perde a sua individualidade e
se funde na massa que se afoga no sangue provocado pelo desencontro entre o
poder técnico das novas armas e as concepções estratégicas tradicionais. Em vez
da exaltação patriótica das virtudes militares, está-se perante uma viagem para
o calvário, para o lugar do sacrifício, embora sem que se percebe para que fins
salvíficos servirá a expiação daqueles homens.
A orientação
expressionista do romance afasta-o das visões realistas de muitos romances
focados na primeira grande guerra. O pathos linguístico é uma estratégia
– não poucas vezes lírica – para tornar manifesto o absurdo em que aqueles
homens vivem. A obra está dividida em quatro partes: (1) A aproximação; (2) As
trincheiras; (3) O assalto; (4) O sacrifício. Esta composição sugere uma
tragédia em quatro actos, nos quais se assiste não apenas à aproximação e
chegada ao centro do combate, mas também à metamorfoses da consciência dos
combatentes. O romance desenha um caminho que vai desde o fervor patriótico que
conduz os homens para a guerra até ao confronto com a morte e a ausência de
significado dessa morte. É plausível pensar que essa metamorfose das
consciências seja a do próprio autor, o seu caminho de militar patriótico que
retorna ao serviço para ir combater, isto é, servir os desígnios da nação, até
ao pacifista em que se torna, perante a experiência absurda da batalha de
Verdun.
Na primeira parte, A aproximação,
é possível ler o discurso de um capitão para um voluntário: À saúde de todos
os voluntários! Tive sob o meu comando uma companhia de estudantes. A flor da
juventude foi arrastada pela gloriosa tempestade do povo, como uma explosão de
júbilo primaveril. Quando o nosso canto se extinguiu, os campos resplendiam de
brancura e claridade. Enterrámos belos corpos. Mas sentíamos: o fruto maduro
há-de vir um dia. Será grande a colheita! A poeticidade com que a morte é
descrita, apesar da ironia que nela já se faz sentir, culmina com a expectativa
de uma grande colheita, como se os mortos fossem sementes que, ao morrer, se
multiplicariam sem fim. Ou quando um dos militares escreve para a mulher: Sabes
o que este mar significa para o combatente? A ofensiva, pressentimo-la; mas e
para lá da procela? Minha querida, adivinhas o que me atrai lá longe sob o sol
benfazejo? Tu sabes. Oh, pudesse eu antes beijar a penugem dourada do meu bebé!
A liberdade por que lutamos, há-de ele respirá-la. Deus abençoe o teu corpo; se
for rapaz, cria-o livre e justo. Também aqui se desenha um princípio de
esperança, a crença que haverá um além da guerra e uma a justiça que esta,
supostamente, trará consigo.
A obra conta a história de
um grupo de militares que são figuras arquetípicas de todos aqueles que fazem o
caminho da retaguarda para a frente. A esperança move-os. O decorrer da acção,
a chegada ao lugar de combate vai desligar a conexão ideológica entre esperança
e guerra. A esperança inicial torna-se, na parte final, a constatação de que
toda a guerra é um exercício niilista e não o lugar onde se manifesta o valor
supremo da heroicidade: Quando a manhã pôs a nu o horror do campo de
batalha, Fips ergueu-se do seu buraco de granada e mediu com o olhar a
imensidade da mutilação: «Salvo o devido respeito pelos nossos veneráveis
ideais, pergunto: porquê? Primeiro a aproximação furtiva, depois um alarido
extraordinário e - passado tudo isso - que ficou? Praticamente nada, além de
uma assembleia muda onde já ninguém tem voz. Porque tombastes? Por Verdun?
Permiti-me então que vos faça uma declaração póstuma: teria preferido que
Verdun caísse e não vós!» A ironia é agora tenebrosa, nela não existe
qualquer esperança, nem se vê naqueles mortos a semente de uma grande colheita,
nem são pintados como paladinos da liberdade. São apenas mortos que perderam a
voz numa assembleia muda.
Fritz von Unruh rompe, no
seu romance, com o elo entre o sacrifício e a salvação. Fá-lo recorrendo a
estratégias narrativas diversas, pondo na boca das personagens discursos que
vão do lirismo poético à reflexão filosofante, por vezes, raiando a mística.
Esta combinação discursiva de poesia, filosofia e mística é o operador que permite
dar a ver a guerra na sua crueza, que a mostra não como uma grande cerimónia
religiosa de superação de si e de salvação, mas o exercício de potências
maléficas que se manifestam na ausência de sentido daqueles actos que levam a
morte a inimigos que, na verdade, nunca fizeram mal a quem os combate. O
horizonte do sacrifício na guerra, naquela guerra em particular, é a expiação
de um mal de que se desconhece a real origem, pura perdição do corpo entrega à
morte e da alma que perdeu a capacidade de encontrar sentido entre aquilo que
não o tinha.